A inflação no Brasil deve começar a perder força em meados do ano que vem, conforme forem se dissipando alguns choques que fizeram os preços disparar neste ano. No entanto, discursos populistas durante a campanha para as eleições presidenciais de 2022, com a forte polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula, podem provocar repiques inflacionários.
A avaliação é do coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da FGV (Fundação Getulio Vargas), André Braz, que aponta que esse impacto tende a ser momentâneo. “É um sobe e desce, como aconteceu na primeira eleição do ex-presidente Lula. Dá um susto e depois volta”.
Em 2002, em meio ao receio dos investidores sobre a futura política econômica de Lula, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) alcançou 12,53%, em um movimento influenciado pelo câmbio –naquele ano, o dólar subiu mais de 50%.
Braz ressalta que, apesar das incertezas à frente, alguns eventos conhecidos sugerem que a inflação vai perder força. Um deles é a redução no preço das tarifas de energia elétrica a partir de maio, quando em tese termina o prazo para a sobretaxa de emergência aplicada às contas de luz. Outro é a alta de juros em várias grandes economias mundiais, que deve reduzir a demanda de forma geral e pesar sobre o preço das commodities.
Do outro lado, outros acontecimentos com data marcada podem ajudar a impulsionar os preços, em particular no campo político. Sinais de baixo compromisso do governo com o ajuste das contas públicas e o início da campanha para presidente, a partir de meados de agosto, estão nesta lista.
Veja abaixo a entrevista concedida pelo economista à Agência TradeMap.
No começo do ano, analistas esperavam que a inflação fechasse o ano perto de 3%. Mas a gente vai encerrar acima de 10%. O que aconteceu no meio do caminho?
Foram três coisas, basicamente: teve o aumento da incerteza, com a falta de definição da política fiscal, que teve como consequência a desvalorização da nossa moeda. Teve também a crise hídrica, que desafiou muito o setor elétrico, e por fim o forte aumento do preço do petróleo, da gasolina e do diesel.
O principal motivo da inflação deste ano foram os chamados energéticos: energia elétrica, gasolina, diesel, GLT [Gás Liquefeito de Petróleo), gás natural e etanol. Esses itens responderam por 45% da inflação em 12 meses, ou seja, metade da alta de preços veio desses produtos.
Energia e diesel são recursos importantes para a indústria e para o setor de serviços, e por isso são aumentos que sustentaram a inflação, com repasse de segmentos importantes.
Os exemplos desse movimento são vários. Vão desde a indústria automobilística até qualquer salão de beleza que usa muita energia elétrica. Isso estimula aumento de preços e espalha a inflação pela economia.
Alguns economistas, como o ex-presidente do Banco Central Ilan Goldfajn, dizem que o Brasil é um país de inflação alta. Você concorda com essa avaliação?
Nossa economia é indexada, e isso atrapalha o processo de convergência da inflação para a meta. Quanto mais indexada uma economia, pior. Educação, aluguel, salários, serviços públicos, energia, telefonia, água, escolas. Todos esses contratos são indexados [ou seja, são corrigidos por índices de inflação]. Ou seja, você pega a inflação de 2021, por exemplo, e já joga para parte de 2022 através desses contratos. Você transfere a inflação de um ano para outro, e isso é muito ruim.
É por isso que é importante que nos preparemos para ter inflação baixa, para reduzir a necessidade de indexação, para que gradualmente essa cultura de indexação vá perdendo o sentido. Aos poucos, naturalmente, você vai indexando a cada 24 meses, em vez de 12 meses, por exemplo. Até que isso fica livre, os contratos passam a não mais especificar a necessidade de correção por um índice. É assim em outros países.
Mas é claro, se a inflação come 10% do meu dinheiro, não tem jeito, há necessidade de indexação da economia.
O BC fez um discurso bem duro na semana passada, dizendo que vai continuar focando na inflação mesmo que haja recessão. Mesmo assim, as expectativas continuam de variação de preços acima de 5% no ano. Tem algo que o BC possa realmente fazer para controlar os preços?
Essa questão da demanda é sensível, mas não é só a demanda doméstica que conta. Tem também a demanda internacional. Mesmo que o Brasil esteja com a demanda fraca, o mundo não está, ao longo deste ano os países estavam em uma vertente de aquecimento, até por causa de estímulos fiscais que as grandes economias deram.
Agora os BCs do mundo inteiro estão interrompendo as compras de títulos, no primeiro passo para reduzir a inflação, que é um fenômeno mundial. Esse freio na demanda internacional terá repercussão sobre os preços das commodities no mundo inteiro.
Por aqui, no Brasil, a nossa questão mais sensível é sem dúvida a política fiscal. O nível de incerteza aumentou bastante, e essa incerteza, mesmo com juros mais altos, não é suficiente pra atrair investimentos.
A desvalorização cambial tem sido uma veia importante para a inflação, com a importação de combustíveis, que ficaram mais caros, e nossas exportações de produtos, que ficaram mais baratos.
Se a gente exporta muito, o preço aqui sobe, não existe nenhuma limitação às exportações, mas temos que fazer o dever de casa em relação à política fiscal. Se equilibramos o câmbio, esse problema acaba: esse excesso de demanda internacional diminui, e nossa moeda perderia esse excesso de competição.
Sabemos que níveis elevados de incerteza causam esse tipo de problema. Somos uma vitrine em promoção por muito tempo. A China vem aqui com US$ 100, e leva mais do mesmo produto. Vamos exportar como nunca, mas a demanda internacional vai dar uma reduzida.
Ou seja, os preços de commodities podem ceder, e isso pode ajudar um pouco o trabalho do Banco Central. Como nossa autoridade monetária não tem outra ferramenta, vai pegar pesado com a Selic, e o efeito colateral é baixo crescimento do PIB [Produto Interno Bruto].
O câmbio está influenciando mais a inflação hoje do que influenciava no passado? O diretor do Banco Central Fabio Kanczuk, por exemplo, diz que esse repasse aumentou do ano passado para cá.
Essa não é uma conta trivial de se fazer. Mas isso pode de fato estar acontecendo, porque os combustíveis subiram muito. A gasolina subiu 50%, e a contribuição do câmbio para esse aumento foi grande, não foi pequena. Essa caminhada da inflação no Brasil foi bem acelerada via câmbio.
O Banco Central tem uma lista de produtos que são os comercializáveis, ou seja, que podem ser exportados ou importados. São itens que subiram barbaramente em 12 meses, e por aí é possível ver o quanto o câmbio onerou o IPCA.
Quando a variação de preços vai começar a ceder?
Acredito que a inflação deve ficar por volta dos 5% no ano que vem, começando a ceder a partir do segundo semestre. No primeiro semestre a gente deve ter um IPCA maior, porque no primeiro semestre deste ano ainda tivemos uma inflação muito baixa. Ou seja, a base de comparação é menor, e a variação em 12 meses deve ficar acima de 7%, 8%.
A Selic vai subir bastante, estará em 11,75% ao ano, e na medida em que os juros avançam começam a produzir retorno real. Isso segura mais fortemente a inflação, e vai aprofundar as dificuldades do mercado de trabalho, reduzir nosso PIB do ano que vem, sem emprego e sem renda.
Agora, dois candidatos populistas disputando entre si podem trazer um repique inflacionário em 2022. Mas isso não deve ser de longo prazo. É um sobe e desce, como aconteceu na eleição do ex-presidente Lula em 2002. Dá um susto e depois volta.
E a crise hídrica?
Atualmente as chuvas estão acima das expectativas. A partir de maio, segundo um acordo já anunciado, teremos uma bandeira vermelha menos onerosa. Mesmo que passe a ser bandeira vermelha patamar 2, isso já traz uma queda importante no preço da energia, ajuda o setor industrial e a prestação de serviços. Da mesma forma que a inflação prejudicou drasticamente esses setores, pode ter um efeito muito positivo quando recuar.