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Economia real e Bolsa: setor de construção civil sofre com instabilidade e curto prazo desafiador

Foto: Pixabay

Apesar de representar apenas 0,57% da atual composição do Ibovespa, o setor de construção civil é um dos poucos que reflete tão bem a economia real na Bolsa de Valores brasileira. 

Com sua alta sensibilidade à taxa de juros, desemprego, inadimplência e, sobretudo, inflação, o setor de construção civil tem passado por meses desafiadores, apesar de as empresas ainda se mostrarem resilientes na maior parte dos casos. 

A piora dos índices de inflação, que dão um aperitivo sobre o aumento dos custos das construtoras e incorporadoras, deteriora a confiança do mercado para o futuro. 

Isso leva à contração monetária, o maior vilão do setor.

Comparação entre o Ibovespa e o IMOB, índice de ações com os ativos de maior representatividade no setor imobiliário, nos últimos 12 meses

Fonte: TradeMap

O pesadelo inflacionário

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado dos últimos 12 meses está na casa de dois dígitos. O aumento dos preços na ordem de 10,67% no Brasil é reflexo de duas consequências da pandemia: desequilíbrio na cadeia de suprimentos mundial e maior liquidez que fomenta a demanda. 

Vale ressaltar que o Banco Central (BC) possui a meta de inflação de 3,75% para este ano. Para 2022, a meta é de 3,50%. O Boletim Focus desta semana mostra previsão de alta de 10,12% e 4,96% no IPCA para 2021 e o ano que vem, respectivamente, ambas extrapolando as metas. 

Para o setor de construção, o índice inflacionário mais importante a se observar é o Índice Nacional de Custo de Construção (INCC), que integra o Índice Geral de Preços – M (IGPM). 

Em outubro, o índice voltou a subir, revertendo a tendência baixista do mês anterior. O INCC avançou 0,80%, com aceleração da categoria Materiais e Equipamentos, que subiu 1,68% na comparação mensal – a maior alta em 12 meses desde abril de 2009. 

A forte alta de preços e o distanciamento entre as metas e a expectativa de inflação são refletidos na curva de juros. O DI de janeiro de 2027, que chegou a ser negociado a 6,49% no começo do ano, agora supera os 11%.

Histórico de negociação do DI futuro para janeiro de 2027

Fonte: TradeMap
Fonte: TradeMap

Além de elevar o custo de capital em qualquer valuation, isso demonstra quanto o mercado quer de prêmio para emprestar dinheiro para o governo. Só há um caminho: alta da Selic.

Em suma, com uma taxa de juros maior, os empréstimos para financiamento imobiliário tendem a ser menos demandados. O acesso ao crédito dificultado pela conjuntura macroeconômica traz um alto grau de incerteza para a construção civil.

Resultados do setor de construção civil e perspectivas

Os entraves macroeconômicos já chegaram à ponta. Os lançamentos em volume ainda mostram-se fortes, mas as vendas sobre oferta (VSO) pesaram sobre a receita das empresas do setor no terceiro trimestre, sobretudo em obras em estágio avançado.

Apesar dos desafios, as margens das companhias majoritariamente foram protegidas. Isso é reflexo da indexação do INCC em contratos de venda, com o repasse dos custos aos clientes. 

Nesse sentido, dentre os players do setor, a Cury (CURY3) se destacou no terceiro trimestre. A companhia elevou sua margem bruta em 0,5 ponto percentual ante o terceiro trimestre do ano passado, para 38,3%.

Vale ressaltar que a margem bruta é o resultado da divisão entre o lucro bruto e a receita líquida, mensurando o desempenho operacional no período. O indicador mostra, de forma objetiva, como a empresa está indo com a venda de seus produtos. 

A Cury, que em setembro completou um ano de sua oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês), tende a se beneficiar dos programas sociais para habitação, como o Casa Verde e Amarela, e redução de juros de financiamento imobiliário pela Caixa, já que atua junto ao público de baixa renda. 

Essa fatia do mercado de construção civil é sensível à política monetária, com alterações drásticas na demanda em função da variabilidade da taxa de juros, além de ser sustentada por uma iniciativa governamental — a qual pode ser mudada a qualquer momento, fugindo do controle da empresa.

Até meados de 2019, 75% das vendas e lançamentos no mercado imobiliário correspondiam ao programa, que ainda chamava Minha Casa Minha Vida. Agora, essa participação está em 40%. 

Segundo a Câmara Brasileira da Indústria (CBIC), as vendas caíram 11,2% no terceiro trimestre deste ano, na comparação com o mesmo período de 2020. Para a entidade, o volume de lançamentos e vendas não terão crescimento no ano que vem, mantendo-se estáveis.

Os demais resultados podem ser considerados mistos. A Trisul (TRIS3) reportou fortes lançamentos, que atingiram R$ 304 milhões no trimestre, alta de 22% na comparação anual. As vendas líquidas, contudo, tombaram 33%, para R$ 165 milhões.

A Eztec (EZTC3), tida como a melhor empresa do setor por muito tempo, teve de consumir caixa no trimestre, na ordem de R$ 37 milhões. Isso ocorreu após a receita líquida vir mais fraca que o esperado pelo mercado, parcialmente compensada pelo bom mix de projetos e margem bruta de 50,5%, alta de 4,9 pontos percentuais na base trimestral.

Histórico da margem bruta da Eztec, no acumulado de 12 meses

Fonte: TradeMap

Contraponto: ações não representam confiança de executivos

Embora o mercado precifique meses — ou anos — difíceis à frente, a confiança do setor vai em desencontro com o desempenho das ações em Bolsa. Veja o resultado

ATÉ 23/11/21 2020 ACUMULADO 2021
EZTEC -16,60% -52,40%
CURY 11,13% -33,24%
MRV -10,60% -37,78%
EVEN -21,08% -45,87%
TENDA 1,72% -40,03%
DIRECIONAL -7,29% -18,51%
GAFISA -44,11% -52,64%
LAVVI 0,05% -43,03%
TRISUL -18,27% -54,92%
HELBOR -46,24% -61,19%
MITRE -18,22% -59,27%

O Índice de Confiança da Construção (ICST), da Fundação Getulio Vargas (FGV), cresceu em outubro e atingiu o maior patamar desde março de 2014, a 96,3 pontos.

Esse foi o quarto mês consecutivo de avanço, com variação positiva de 3,8 pontos em comparação a setembro. O destaque do índice foi a melhora da satisfação dos empresários frente ao cenário vigente. 

Nos últimos anos, o setor de construção civil conseguiu reverter a tendência de meados da década passada, quando a lucratividade estava sendo sacrificada. Contudo, trata-se um setor de empresas com poucas vantagens competitivas e que dificilmente se mantêm com a rentabilidade acima do custo de capital por muito tempo.

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