A temporada de resultados do terceiro trimestre chegou ao fim. Entre surpresas positivas e negativas, as empresas da Bolsa brasileira trouxeram o panorama vigente aos investidores.
Recheado de commodities, o Ibovespa sofreu com a volatilidade do preço das matérias-primas entre julho e setembro, embora a temporada de resultados do terceiro trimestre tenha sido majoritariamente positiva para o segmento.
Do lado negativo, o varejo brasileiro, que muitas vezes se confunde com o que o Brasil possui de tecnologia, sobretudo em função do veloz avanço do e-commerce, decepcionou ao mostrar desaceleração.
Segundo dados da XP, 64% dos resultados superaram as expectativas no trimestre.
Confira os destaques da temporada de balanços corporativos pelos principais setores e o que esperar daqui para frente.
Commodities
- Petróleo
A Petrobras (PETR4) lucrou R$ 31,1 bilhões no terceiro trimestre, revertendo a perda de R$ 1,5 bilhão no mesmo período do ano passado. No balanço da companhia, o destaque ficou com o aumento do volume de vendas, acima da expectativa do mercado.
A PetroRio (PRIO3) também reverteu seu resultado, saindo do prejuízo de R$ 117,73 milhões no ano passado para um lucro de R$ 125,15 milhões com melhores preços praticados, em função da alta do petróleo tipo Brent.
Daqui para frente, é esperado que o preço do petróleo não traga grandes surpresas. Com novos registros de lockdown por conta da pandemia, sobretudo na Europa, a menor demanda deve ser acompanhada pelo aumento da produção pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).
O Brent sobe 52% em 2021, mas acumula uma baixa de 6,5% neste mês.
- Mineração e siderurgia
A Vale (VALE3), por sua vez, ficou abaixo do esperado nos números apresentados. O lucro foi de US$ 3,88 bilhões, enquanto a média dos analistas consultados pelo Refinitiv mostrava uma expectativa por US$ 6,29 bilhões.
No caso da empresa de maior peso do Ibovespa, o impacto negativo partiu da queda do preço do minério de ferro e maiores custos, embora o resultado ainda tenha se mostrado sólido. As ações, claro, acusaram o golpe.
Desempenho das ações da Vale neste ano

Sob este ponto de vista, a matéria-prima segue depreciada. A tonelada do minério de ferro negociada na Bolsa de Dalian, na China, é cotada a cerca de US$ 90, depois de atingir US$ 220 em meados deste ano.
A expectativa, porém, é que esse patamar não seja muito mais prejudicado. A crise imobiliária chinesa parece estar incorporada nos preços, ao passo que o pacote governamental de investimento em infraestrutura nos Estados Unidos, da ordem de US$ 1,2 trilhão, deve acelerar as compras de aço.
Nesta segunda, o minério de ferro encerrou o pregão chinês em alta de 5,69%.
Quem também deve se beneficiar desse movimento são as siderúrgicas. Usiminas (USIM5) e Gerdau (GGBR4), que elevaram os lucros em 821% e 604% no terceiro trimestre, respectivamente, avançam no pregão.
Setor bancário e financeiro
Acompanhando a queda das provisões e com índices de inadimplência majoritariamente controlados, os bancos tiveram resultados positivos, o que demonstra a recuperação do setor.
Itaú (ITUB4), Bradesco (BBDC4), Santander (SANB11) somaram R$ 17,9 bilhões em lucros, um aumento de 28,5% em comparação ao mesmo período do ano passado.
Embora as grandes instituições ainda demonstrem dificuldades no corte de custos para fazer frente à concorrência, procuram formas de gerar valor aos acionistas.
O iti, banco digital do Itaú, chegou a 10 milhões de clientes, almejando a marca de 15 milhões até o fim do ano. O Santander, por sua vez, realizou a cisão da Getnet (GETT11), terceira maior empresa de maquininhas do Brasil.
O ciclo de alta da taxa de juros tende a beneficiar os bancos, que repassam a mudança aos clientes por meio de empréstimos, em uma velocidade maior do que o aumento do seu custo do crédito.
A B3 (B3SA3) lucrou R$ 1,29 bilhão no terceiro trimestre deste ano, aumento de 13% na comparação anual, em linha com a expectativa do mercado. O resultado financeiro positivo compensou a estabilização das receitas, o que parece ser uma tendência.
A desaceleração do segmento acionário, com a migração para a renda fixa, e a volatilidade do mercado, por entraves econômicos e políticos, está puxando o freio de mão de novas ofertas, e continuará como um desafio para os próximos meses.
Construção civil
A contração da política monetária e suas razões, como a disparada da inflação e um cenário de risco fiscal aflorado, pesam diretamente — de forma negativa — no setor de construção civil.
O segmento apresentou vendas menores no terceiro trimestre com o impacto dos juros no financiamento imobiliário e, consequentemente, menor acesso a crédito para a compra de imóveis.
O custo do crédito mais alto tem colocado uma pulga atrás da orelha dos consumidores, que estão mais endividados, embora ainda adimplentes.
A revisão de margens no guidance, como no caso da Tenda (TEND3), foi resultado de um lucro 81% menor na comparação anual.
A Eztec (EZTC3), que está mais ligada ao setor de média renda e, portanto, mais sensível à Selic (por conta da maior dependência do financiamento imobiliário), também mostrou redução de margens. O volume de lançamentos, por sua vez, caiu pela metade.
Daqui pra frente, a dinâmica da inflação e, consequentemente, como o BC fará para atacar a perda do poder de compra interferirá diretamente nos números das empresas. O cenário desafiador já é realidade, colocando em dúvida o desempenho operacional do setor.
Confira o desempenho das principais ações do setor nesta segunda, por volta das 17h15, e em 12 meses

Consumo não cíclico
- Alimentos processados
Os resultados das principais empresas de alimentos do Brasil e do mundo no terceiro trimestre foram positivos. Com seus custos atrelados aos preços das proteínas, que, por sua vez, são repassados aos consumidores, as empresas não sentiram o peso inflacionário como o restante da Bolsa.
Além disso, as operações internacionais mais do que compensaram os desafios locais. A JBS (JBSS3), por exemplo, caminha a passos largos para uma receita de R$ 100 bilhões. Entre julho e setembro deste ano, essa linha somou R$ 92,62 bilhões, que levou a uma geração de caixa 40,2% maior.
Do lado negativo do setor, a BRF (BRFS3) ainda se mostra alavancada e com dificuldades em investir para aumentar a produção. A DRE também não veio positiva: prejuízo de R$ 271 milhões no terceiro trimestre.
Em linhas gerais, o setor deve continuar a se beneficiar do real desvalorizado ante o dólar, mesmo com a taxa de juros em alta. A geração de caixa já se mostra presente nas linhas das companhias, enquanto manter o endividamento sob controle segue na pauta.
- Bebidas
O efeito da fraca base comparativa fez preço à Ambev (ABEV3), tanto no balanço como na “vida real”.
Com a reabertura quase completa da economia, o consumo de cerveja explodiu no terceiro trimestre, fazendo com que o lucro da companhia atingisse R$ 3,6 bilhões entre julho e setembro, acima da expectativa do mercado e 50% maior em comparação ao mesmo período do ano passado.
Evolução da receita líquida da Ambev

A empresa tem demonstrado bons resultados em suas iniciativas no âmbito digital, como o Zé Delivery ter atendido mais de 15 milhões de pedidos.
A visão dos investidores, porém, é que 2022 deve ser um tanto quanto mais difícil, com a empresa podendo voltar a ter dificuldades no crescimento dos volumes.
Consumo cíclico
- Locadoras de veículos
A pandemia bagunçou a cadeia de suprimentos em todo o mundo. Particularmente, os semicondutores, pequenos itens essenciais na fabricação de veículos, sumiram do mercado. Com menos carros zero na rua, maior o preço deles, o que afastou os compradores. acho que aqui faltou algo
Assim, de forma surpreendente, o “mercado secundário” de venda de veículos explodiu. A venda de seminovos ajudou grandemente o setor de locadoras de veículos.
A Movida (MOVI3), por exemplo, tinha um problema crônico com a venda de seminovos: tíquete médio menor em comparação aos pares e volume de vendas sequencialmente baixos. A pandemia impulsionou os números deste segmento e o lucro saltou quase 600%.
A Unidas (LCAM3), da mesma forma, voltou a renovar recordes. Se esse tinha sido o headline do resultado no segundo trimestre, teve de ser repetido. A companhia lucrou R$ 267,3 milhões entre julho e setembro, mais do que dobrando o resultado em 12 meses.
O que esperar? Há duas linhas de pensamento.
A primeira, positiva, é que as empresas devem continuar a se beneficiar do crescimento da venda de seminovos, ao passo que o rent a car (RAC) é atrativo a motoristas de aplicativos, com o desemprego atingindo 14 milhões de pessoas no País.
A segunda, entretanto, diz respeito aos impactos da alta da Selic. A mensuração de valor das locadoras é dada pela diferença entre o custo da dívida e o Retorno sobre Capital Investido (ROIC), e a maior parte da dívida é pós-fixada.
Saúde
O setor de saúde, outrora preferido dos investidores na Bolsa, com IPOs no início deste ano, amarga perdas em 2021. Os impactos da Covid-19 se refletiram sobre as companhias em seu cerne, tanto do ponto de vista sanitário como econômico.
Grande parte dos planos de saúde no Brasil são corporativos, o que é sensível ao nível de desemprego no país e, consequentemente, às expectativas pela economia.
Em geral, os hospitais verticalizados, como Hapvida (HAPV3) e Intermédica (GNDI3), tendem a se sair melhor em tempos de pressão de margens por conta do aumento dos custos.
Enquanto a primeira teve alta de 16,7% no lucro no terceiro trimestre, a segunda reverteu o ganho e reportou prejuízo no período.
O setor de medicina diagnóstica, por outro lado, ainda corre atrás dos massivos investimentos em tecnologia, como o Fleury (FLRY3) e seu Saude ID. Até que os exames eletivos voltem à sua normalidade, os números podem ser vistos como negativos.
Energia elétrica
A falta de chuvas prejudica de forma mais intensa as geradoras, mas trata-se de um cenário que reverbera em todo o setor — de forma positiva ou negativa. A crise hídrica, porém, já foi uma preocupação maior.
Nos últimos 12 meses, a maior parte das ações do segmento sobem, refletindo bons resultados que, em sua maior, são reajustados pelos índices de inflação. O IPCA sobe 10,67% no acumulado do último ano. O IGP-M já acumula alta de 21,73%.
Embora a alavancagem deva ficar no radar, a melhora do resultado operacional de companhias como Alupar (ALUP11) e EDP (ENBR3), que estão colocando na rua uma série de projetos, deve compensar as dúvidas frente ao endividamento mostrado nos resultados do terceiro trimestre.