Nas últimas semanas, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, tem sido questionada sobre a tramitação da reforma tributária. Segundo ela, a reforma é a única “bala de prata” para a economia, e a expectativa é que seja realizada de forma fracionada, sendo uma das etapas a criação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado).
De acordo com a ministra, a reforma sairá do papel em 2023, mas não se sabe exatamente quando. Num momento onde o custo político das decisões do novo governo tem sido alto dadas as concessões já realizadas pelo Congresso, mudanças brandas e que podem destravar a economia, como o IVA, podem ser uma boa saída.
No contexto econômico, a reforma tributária é assunto desde o início do governo passado, que conseguiu aprovar medidas como a reforma da Previdência, mas não avançou em demais necessidades.
A simplificação da tributação no Brasil é um dos principais passos para que as empresas se tornem mais eficientes e produtivas, elevando o crescimento do país.
O indicador global Tax Complexity Index, criado pelas universidades alemãs LMU Munich e Paderborn, mostra que o Brasil é a 60ª de 69 nações avaliadas pela complexidade tributária, o que acaba afastando investidores e companhias.
Contudo, há quem questione os possíveis impactos negativos do IVA em determinados segmentos. Por outro lado, há quem possa identificar essa mudança como alavanca.
Embora ainda haja pouca visibilidade sobre o destino da reforma tributária no Brasil, como avaliar a influência do IVA sobre bens e serviços nas empresas da Bolsa?
O que é o IVA?
Utilizado em boa parte do mundo desenvolvido, como na União Europeia, mas também já presente na América do Sul, o Imposto sobre Valor Agregado é apontado por muitos como uma forma de destravar a burocracia tributária no Brasil.
Mas, afinal de contas, o que é o IVA?
A síntese do IVA é a unificação de impostos, facilitando o processo de recolhimento dos tributos e elevando a transparência dos recebimentos por parte dos governos e municípios. Nesta modalidade, cada etapa da cadeia produtiva paga o imposto que se refere ao valor efetivamente adicionado ao produto.
Como demonstra a tabela abaixo, o maior encarregado no pagamento dos tributos seria o responsável pela primeira etapa, ou o produtor inicial, já que, em tese, gera o maior valor agregado.
Segundo um estudo do FMI (Fundo Monetário Internacional), a ampliação da base do IVA (menos diferenciação de alíquotas e menos isenções) propicia maior crescimento econômico sustentável de longo prazo, em comparação ao uso daqueles instrumentos compensados por um aumento da alíquota padrão.
O estudo foi divulgado em maio de 2019 e refere-se ao período de 1970 a 2016, a partir de dados de 30 países membros da OCDE.
Isto é, a ideia por trás do IVA deve ser a simplificação do esquema tributário de um país e a maior clareza sobre a arrecadação dos tributos em cada etapa da cadeia produtiva, e não o aumento da carga de impostos sobre os agentes econômicos.
Estuda-se a possibilidade de implementação do tributo no país com a alíquota de 12%. Em 2020, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, entregou o projeto ao Congresso sob o nome de CBS (Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços).
No Brasil, o IVA poderia abarcar os seguintes impostos:
- IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados);
- PIS (Programa de Integração Social);
- Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social);
- ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços);
- ISS (Imposto sobre Serviços).
Críticas e benefícios
Assim como toda e qualquer reforma que tramita nos corredores de Brasília, a implementação de uma nova estrutura tributária é passível de críticas e questionamentos, com a hipótese de que não traria os avanços esperados.
Mesmo assim, argumentos contrários por vezes já possuem respostas. Alguns dos temas levantados são:
Perda de receita por municípios
Entre os tributos que seriam abarcados pelo IVA, alguns são municipais e outros federais. Pressupõem-se que o IVA seria um imposto federal, então os entes da federação perderiam receita com a arrecadação de impostos.
O ICMS é a maior fonte de faturamento dos estados. Isso pode ser observado pela queda de arrecadação dos estados no fim do ano passado, após o então presidente Jair Bolsonaro sancionar um teto da alíquota para serviços essenciais.
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Uma solução para isso seria uma bipartição no imposto, um IVA Dual. O Governo Federal seria responsável por um tributo único da sua parte, enquanto outra fatia seria distribuída entre os estados e municípios.
Estados mais pobres perdem flexibilidade
A reforma tributária pode estipular a cobrança do IVA apenas no destino do bem ou serviço, deixando de ser na origem, como acontece atualmente.
Com isso, há o argumento de que estados pobres perdem a flexibilidade de poderem praticar benefícios tributários, com o objetivo de atrair empresas para sua região, o que poderia movimentar a economia e gerar empregos.
Em um artigo publicado em 2021, Marcos Lisboa, PhD em Economia e então presidente do Insper, disse que, na verdade, a reforma pode elevar a receita de estados que mais consomem do que produzem, como é o caso de todos os estados do Nordeste e Norte, com exceção do Amazonas.
Com esses recursos, novos investimentos em infraestrutura deixariam as regiões mais competitivas, com a atividade econômica equilibrada.
Impacto sobre serviços
Num eventual IVA, o recolhimento de tributos recairia de forma mais intensa sobre o setor de serviços, já que seria o primeiro e único agente a gerar o valor agregado da transação econômica.
No ano passado, a inflação brasileira foi pressionada por alimentação e serviços. Em agosto do ano passado, a inflação de serviços atingiu o maior nível em oito anos. Esse processo é resultado da retomada da demanda, sobretudo voltada ao turismo.
Uma acentuação no custo dos serviços poderia pressionar a inflação, o que é negativo para o ambiente de consumo das famílias e da política monetária.
Aumento da alíquota total
Uma das principais críticas acerca do IVA diz respeito a um possível aumento da carga tributária caso a reforma seja realizada nos moldes que se conhece hoje.
Isso porque, inevitavelmente, alguns produtos ou serviços seriam encarecidos com a nova estrutura, mas isso seria compensado com a redução dos impostos em outros, como os alimentos da cesta básica, beneficiando os mais pobres.
Entretanto, mesmo que o imposto seja equalizado e não implique em aumento tributário total, o Sindfisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais) diz que um IVA de 12% seria o maior do mundo.
IVA: bom ou ruim para quem?
Do ponto de vista das empresas listadas na Bolsa, podem ser beneficiadas as companhias que estão entre o início e o meio do processo produtivo. Alguns exemplos são as varejistas de alimentos atacadistas, como Assaí (ASAI3) e Atacadão, do Carrefour (CRFB3).
Isso porque, conforme levantado pelo artigo publicado por Lisboa, em 2021, a cesta básica de alimentos seria desonerada e essas companhias atuam com variadas classes de público. O atacarejo tem apresentado boas margens e deve continuar sendo um modelo de negócio bem sucedido.
Do outro lado, companhias que podem ver sua alíquota efetiva ser mais incômoda são aquelas ligadas a serviços que, conforme já apontado, serão o contraponto a outros setores que serão desonerados.
As empresas de serviços, que muitas vezes operam majoritariamente junto ao público de média-alta e alta renda, representam as únicas etapas da transação econômica, não demandando uma produção industrial prévia que “dividiria” o imposto sobre valor agregado. Casos como CVC (CVCB3) e Espaçolaser (ESPA3) podem ser algumas das impactadas negativamente.
Vale ressaltar, entretanto, que a implementação do IVA, no âmbito da reforma tributária, não possui prazo para sair do papel. Simone Tebet anseia a aprovação do projeto ainda neste ano e, mesmo que aconteça, mudanças em sua estrutura poderão ser materializadas.