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Crise na Argentina? Em 4 anos, brasileiras aumentam receita em 153% no país; entenda o porquê

Embora o país vizinho seja terreno fértil, a eficiência e a rentabilidade das companhias pouco mudaram

Foto: Shutterstock

A Argentina fechou o ano de 2017 com o otimismo à flor da pele. O PIB (Produto Interno Bruto) do país avançou 2,7% naquele ano, registrando a segunda alta do governo de Mauricio Macri, após mais de uma década do Kirchnerismo na liderança do país.

A partir de 2018, porém, tudo mudou. A situação econômica do país passou a degringolar – o que levou à queda do então presidente no fim de 2019. A crise na Argentina trouxe ainda mais inflação e desvalorização da moeda local, crônicas desde ao menos a década de 1940.

Entre o primeiro dia de 2018 e o fim de julho de 2022, o peso argentino passou a ser negociado de 18,6 pesos para 1 dólar, para de 131,8 pesos contra 1 dólar (desconsiderando o mercado secundário, ou não oficial) – já que existem cerca de 14 taxas de câmbio diferentes. Ou seja, a moeda argentina perdeu valor em mais de sete vezes no período.

Ao mesmo tempo – e na medida em que a maxidesvalorização acontecia – a inflação seguia descontrolada, mostrando que a política monetária não surtia efeito no país vizinho.

No acumulado de 2018 a 2021, a menor taxa de inflação foi de 36,1% (2020), e a máxima, de 53,8% (2018). Nos últimos 12 meses, com base em junho de 2022, a inflação acumula 64%. Já faz 10 anos que a inflação não fica abaixo de dois dígitos.

O cenário pode ser atribuído ao congelamento de preços em diferentes momentos, aumento dos gastos públicos (gerando desconfiança fiscal), falta de reformas essenciais e o populismo estrutural.

Mas há algo em comum para as empresas, principalmente para as brasileiras que operam neste contexto. Todas cresceram. Em maior ou menor grau, as companhias apresentaram crescimento nominal entre o primeiro trimestre de 2018 e o mesmo período de 2022, em termos consolidados.

Dados levantados pelo TradeMap elencam as oito empresas brasileiras mais expostas à economia argentina e seus desempenhos no período.

Crescimento real na base consolidada

Em volume, os dados mostram que as empresas brasileiras mais expostas à Argentina (em termos consolidados) conseguiram ampliar suas receitas em 153%, na média. No total, as oito empresas combinaram para uma receita líquida de R$ 60,88 bilhões no primeiro trimestre deste ano.

Juntas, a Marfrig (MRFG3) e a Ambev (ABEV3) equivalem a 65% do total. No primeiro trimestre de 2018, início da base comparativa, a fatia era de 59% entre as companhias.

O destaque positivo ficou para a Marfrig, que avançou 629%, para R$ 22,34 bilhões, entre o início de 2018 e 2022. A companhia conseguiu reestruturar seus negócios no período e expandir suas operações além das fronteiras brasileiras.

Inclusive, no período mencionado, buscando uma maior diversificação dos negócios, a empresa montou uma posição acionária relevante na BRF (BRFS3). Essa, por sua vez, não opera na Argentina desde 2019, onde não teve resultados satisfatórios – mostrando como não é trivial ter sucesso naquele país.

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Vale mencionar, no entanto, que o crescimento mencionado é nominal. Deflacionado pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), índice que mensura a inflação (na prática, a perda de valor do dinheiro no tempo), o crescimento real médio das oito empresas consolidadas no período foi de 98,6%, segundo o cálculo feito pelo TradeMap.

Além disso, as empresas podem produzir e operar a partir da Argentina (correndo o risco do mercado de trabalho e interferência governamental) ou exportar e vender no país vizinho (onde encaram a perda do poder de precificação dos produtos, entraves com importação no país, perda do poder de compra da população e tabelamento de preços).

Os dados, com isso, apenas mostram o desempenho consolidado das companhias que, em maior ou menor intensidade, estão expostas à Argentina.

A depender do caso, a operação naquele país pode ter sido uma alavanca para os números gerais, ou o crescimento das companhias pode ter acontecido a despeito do contexto macroeconômico desafiador na Argentina.

Há, porém, disparidade de informações e a falta de padronização de dados oficiais por parte das empresas no que se refere à operação na Argentina.

A Minerva (BEEF3), por exemplo, passou a divulgar recentemente a receita oriunda do país. Já a Ambev destaca o país dentro da região LAS (América Latina Sul), sem detalhar os números da operação.

Receita para cima, eficiência de lado

Os resultados nominais, até mesmo os reais, mostram a resiliência das companhias expostas à Argentina em termos de volume e, em certa medida, repasse de preços aos consumidores, com a inflação ganhando tração no último ano.

Com a estratificação da margem Ebitda, que mostra a eficiência operacional dessas companhias, é possível destacar a queda de margem por parte da Ambev (-11,1 pp), a maior companhia da relação.

A cervejaria é diretamente prejudicada pela inflação de custos de produção e seus produtos, por isso, em sua maioria, é difícil a reprecificação, em função dos clientes serem sensíveis aos preços.

No segundo trimestre deste ano (o qual o levantamento não contempla os números), a Ambev até demonstrou apetite em reduzir essa defasagem e passou a elevar os preços, dando indícios de que continuará praticando reajustes.

A empresa tem 14,15% da receita líquida ligada ao LAS, sendo a Argentina um integrante importante. No segundo trimestre, essa frente de negócio teve receita de R$ 2,54 bilhões, maior do que quatro das oito receitas consolidadas mencionadas anteriormente.

Porém, no primeiro trimestre de 2018, o LAS era proporcionalmente mais importante para a receita da Ambev do que é hoje. Resultado, também, da queda da eficiência da companhia na região.

No caso da Usiminas (USIM5), que tem a terceira maior receita das oito empresas, a volatilidade foi forte – acompanhando a variação de preços praticados pelo minério de ferro no mercado internacional. No fim das contas, a empresa continuou com a margem Ebitda de 20%.

Para mineração e principalmente siderurgia, o ambiente na Argentina não é favorável. Sindicatos, o governo de Buenos Aires, capital do país, e a Câmara da Construção Civil, em comunicado divulgado em maio, revelaram que a construção civil caiu 90% em dois anos.

Do ponto de vista da margem líquida, que mostra o que sobra de forma líquida da receita auferida, as empresas no consolidado despencaram durante a chegada da pandemia e, com a reabertura da economia no fim de 2020, atingir seu pico no intervalo.

No saldo final, a margem média cresceu 0,7 ponto percentual em quatro anos. Por si só, é positivo, já que não deteriora a eficiência e, consequentemente, menor recurso disponível para remuneração aos acionistas.

Contudo, o não ganho de margem mostra que pode existir um problema de precificação dos produtos, ou então algum sinal de que as perspectivas para a concorrência são de acirramento.

Argentina é terra fértil para frigoríficos

Na relação das oito empresas, há dois setores que têm mais de um representante.

Um deles é a indústria, por assim dizer, na figura de Fras-le (FRAS3), Marcopolo (POMO4) e Randon (RAPT4), que somaram uma receita líquida total de R$ 2,55 bilhões no primeiro trimestre deste ano.

O outro setor é o de frigoríficos, que, no período entre janeiro e março de 2022, teve receita líquida total 11 vezes maior, de R$ 29,56 bilhões, representadas apenas por Minerva e Marfrig.

A agropecuária é um dos principais setores da economia argentina, que corresponde aproximadamente 7% do PIB. Trigo, milho e carne estão entre os produtos mais produzidos no país vizinho. O setor é responsável por cerca de metade das exportações.

Nesse sentido, ganha força a figura dos frigoríficos brasileiros que operam na Argentina. Apesar do aumento dos custos de produção na região, ambas as empresas têm acelerado investimentos para elevar os negócios no país.

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No primeiro trimestre deste ano — período em que as exportações de carne da Argentina cresceram 40% em valor de vendas — parte do Capex (investimento) da Marfrig serviu para expandir a planta de San Jorge, localizado na região centro-leste do país.

De forma deflacionada, a Minerva e a Marfrig elevaram seus faturamentos em 60,5% e 471,7%, respectivamente, entre o primeiro trimestre de 2018 e o mesmo período de 2022. A Marfrig é a única das oito empresas do levantamento que também venceu a (hiper) inflação argentina (IPC) no período, com avanço acumulado de 43,6%.

A despeito de todos os entraves relacionados à macroeconomia do país, inclusive em meio às suspensões de exportação de alguns tipos de corte de carne bovina até o fim de 2023, as empresas do setor parecem ter encontrado no país uma forte alavanca para seus negócios.

Mesmo que o preço da carne bovina possa cair até 20% no ano que vem, segundo um estudo divulgado pela Safras & Mercado, as companhias estão muito mais sólidas do que há quatro anos.

Enquanto uns fogem da Argentina, outros chegam

Até pouco tempo, a Alpargatas (ALPA4) seria uma das grandes candidatas a entrar na lista por conta de sua exposição ao país vizinho.

Em julho de 2019, a empresa vendeu suas filiais na Argentina e deixou o segmento têxtil. Em setembro de 2018, já havia vendido boa parte da marca Topper no país, para o empresário Wizard Martins.

Enquanto algumas empresas desistem da Argentina que parece estar eternamente em crise, outras apostam em seu modelo de negócio.

Em 2018, antes de entrar em uma tempestade perfeita que contou com quebra de empresas, óleo em praias do Nordeste brasileiro e uma pandemia, a CVC (CVCB3) adquiriu três empresas argentinas, em um investimento total de US$ 19,4 milhões.

Uma delas, a Ola, havia sido alvo de compra de 60% pela CVC. A agência de turismo brasileira, entretanto, dobrou a aposta e comprou o restante da empresa em outubro do ano passado, por um valor não revelado pelos 40% restantes.

A Argentina é um tradicional reduto do turismo brasileiro, tanto pela proximidade como pela força do real frente ao peso, principalmente nos últimos anos. Embora os resultados da operação ainda não sejam claros, a CVC tem observado com carinho o mercado vizinho.

A agência de turismo não entrou na relação de empresas expostas ao país em função de sua diferente contabilização do resultado.

A receita líquida, por exemplo, é resultado das receitas de intermediação menos o custo dos serviços prestados e impostos sobre venda, e usualmente denominadas dessa forma no setor. Na DRE, aparece como lucro bruto.

As empresas expostas à Argentina de forma relevante, em maior ou menor grau, foram bem à despeito da inflação, baixo crescimento econômico e alta desvalorização da moeda local.

Na média, é positivo, mas algumas empresas precisam ser sustentadas pelas operações locais ou outros mercados. Vale dizer, com isso, que nenhuma das companhias mencionadas dependem exclusivamente da operação na Argentina.

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