O Brasil largou na frente entre as maiores economias do mundo e começou a subir os juros em março do ano passado, quando a inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) já apresentava uma sequência de 10 meses consecutivos de avanço na margem anual.
Ao longo de um ano e meio, o Banco Central injetou 11,25 pontos percentuais na Selic, passando de 2% ao ano para os atuais 13,25% ao ano – um dos maiores choques na taxa básica da economia brasileira desde o início do plano de metas para a inflação, em 1994.
Mas a despeito deste “caminhão de juros” encomendado pelo BC, a inflação dá parcos sinais de arrefecimento, se mantendo acima dos dois dígitos desde setembro do ano passado. Em maio, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) foi a 11,73% em 12 meses, o maior nível desde o fim de 2003.
Em geral, a política monetária leva entre seis e nove meses para fazer efeito na ponta, como explica André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre FGV).
Porém, a pandemia de coronavírus, a guerra entre Rússia e Ucrânia e a desaceleração da economia chinesa impulsionaram os preços das commodities e dos insumos para a indústria, bagunçando o calendário usual da política monetária no Brasil.
“No momento, as incertezas globais podem eventualmente atrasar mais ainda esse efeito da política monetária”, diz o especialista.
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Mexer nos juros é a principal arma do BC para controlar a variação de preços, já que a Selic é usada como referência para diversas outras taxas de empréstimo e crédito.
Quando a taxa sobe, o dinheiro “fica mais caro” e desestimula a tomada de empréstimos, o que em consequência leva à desaceleração das atividades econômicas e queda no número de empregos.
Isso se reflete na retração do consumo e, com menos pessoas comprando, os preços tendem a cair, ou seja, ficam “menos inflados”.
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O tratamento para os preços altos ainda não chegou ao fim. Na última reunião, na terceira semana de junho, o Copom (Comitê de Política Monetária do BC) indicou que deve fazer novo acréscimo no encontro marcado para agosto.
O consenso do mercado é uma derradeira alta de 0,50 p.p., levando a Selic a 13,75% ao ano, o maior patamar desde 2016.
Inflação importada e risco fiscal represam efeitos
No início deste ano, os juros estavam a 9,25% ao ano, nível que já era considerado contracionista, ou seja, a Selic já havia passado para o estágio onde criava barreiras para o desenvolvimento da atividade econômica.
Mas, no meio do caminho, apareceu a “importação” de inflação global – intensificada pelos efeitos da guerra da Ucrânia em commodities agrícolas e energéticas – e a manutenção de entraves nas cadeias produtivas, com o retorno de medidas de restrição na China.
Esses obstáculos, apontam economistas questionados pela Agência TradeMap, vêm atrasando ainda mais esse intervalo o aperto nos juros fazer efeito.
“O mundo todo passa por um processo inflacionário muito forte, com os países desenvolvidos apresentando taxas acima de 8%”, diz José Márcio Camargo, economista-chefe do Banco Genial. “O que a política monetária faz é balancear esses choques e evitar o crescimento acelerado da demanda.”
No lado doméstico, o arrefecimento do IPCA é dificultado pela retomada das atividades presenciais, sobretudo os serviços, e o risco fiscal. O governo pretende, por exemplo, aprovar no Congresso uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para elevar o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e instituir um auxílio aos caminhoneiros de R$ 1.000 até o final do ano.
Marcos Caruso, economista-chefe do Banco Original, aponta que essas medidas do lado fiscal acabam indo na direção contrária aos esforços do BC.
“O principal papel do governo é dar um direcionamento claro sobre o caminho das contas públicas. O que temos visto é um certo viés da postura fiscal em acelerar a atividade econômica”, explica.
Na mesma linha, Braz, da FGV, cita que o BC faz o que estava ao seu alcance para buscar conter a inflação. “A questão toda é o gasto público. Vemos a dívida pública elevada e o Estado não ligando muito para essa questão”, reforça.
Sem solução no curto prazo
O consenso do mercado é que a inflação bateu o pico em abril, quando alcançou 12,13% em 12 meses. Em maio, o indicador retraiu para 11,73%, a primeira queda na margem anual desde o fim do ano passado.
Os dados da prévia de junho indicam a manutenção da desaceleração, apesar de que em ritmo bastante lento. O IPCA-15 deste mês registrou aumento de 12,04% em 12 meses, levemente abaixo dos 12,20% registrados no mesmo período de maio.
A direção aponta para baixo, mas o BC aponta que que não vai cumprir a meta de inflação de 3,5% prevista para esse ano e que terá dificuldades até para entregar os 3,25% estipulados para 2023. Na semana passada, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, indicou que a autoridade monetária irá perseguir um objetivo mais folgado, de 4% de alta nos preços.
Entre os analistas, a previsão é que o IPCA feche o ano a 8,50%, segundo dados do Boletim Focus, e 4,70% no ano que vem (ou seja, quase no teto da meta para o ano).
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Segundo Braz, os choques externos e as turbulências domésticas devem fazer com que os efeitos práticos dos juros sejam sentidos apenas no segundo semestre do ano que vem.
“A política monetária perde o seu poder quando itens importantes sobem de preço por efeitos que não eram possíveis de serem previstos”, afirma.
Com opinião um pouco mais otimista, Caruso estima que o IPCA dê sinais de arrefecimento a partir da virada do ano.
Segundo o economista, além dos choques externos e da pauta doméstica, a velocidade imprimida pelo BC na alta dos juros foi tão rápida que ainda não foi possível sentir seus efeitos.
“Vamos sentir a desaceleração das atividades econômicas a partir do segundo semestre, e finalmente isso vai afetar os preços de forma mais contundente na virada do ano”, explica.