A rede de academias Bluefit, que interrompeu em setembro seu processo de abertura de capital (IPO), preresenciou nos últimos meses o fechamento de dez de suas 83 unidades na Grande São Paulo, o que vai no sentido contrário de seu plano de expansão. O motivo não foi a queda no número de usuários, mas, sim, um imbróglio que levou a rede de academias a acusar um dos franqueados de tentar transferir as unidades fechadas para uma concorrente.
Em um sistema de franquias, o proprietário do negócio é o franqueador e ele concede aos investidores interessados, os franqueados, o direito de exploração da marca. Também fornece o conhecimento prático necessário para conduzir o negócio.
No caso da Bluefit, a disputa atual se dá entre a rede de academias e a BFT Master, um “master franqueado”, que é um investidor que se encarrega de abrir um número maior de unidades.
A Bluefit alega que a BFT Master irá transferir as unidades franqueadas que foram fechadas para outra rede de academias de ginástica. Para evitar a perda das dez unidades, a rede de academias entrou na Justiça, mas a ação foi extinta em setembro porque as partes levaram a pendência para uma câmara de arbitragem, segundo documentos ao qual a Agência TradeMap teve acesso.
Procurados, a Bluefit informou que não irá se pronunciar e os advogados da BFT não se manifestaram.
O caso serve para ilustrar os cuidados que um interessado em investir em uma franquia deve ter antes de fechar o contrato. Assumir uma escolha apenas por simpatia a uma marca ou porque a empresa está em expansão podem não ser razões suficientes para tornar a parceria duradoura. Mas como evitar que a relação entre franqueador e franqueado azede e frustre os planos das duas partes?
Em busca da franquia perfeita
No Brasil, o mercado de franquias registrou um faturamento de R$ 47,4 bilhões no terceiro trimestre do ano, alta de 7,8% em relação a igual período do ano passado, segundo a Associação Brasileira de Franchising (ABF), que contabiliza 2,6 mil redes franqueadas.
As franquias estão presentes em diferentes setores e portes variados. Para começar, o desembolso pode começar em poucos milhares de reais, mas com potencial para chegar até alguns milhões. De acordo com a ABF, os setores com maior representatividade no sistema de franquias são o de alimentação, serviços e saúde/bem-estar.
O diretor de marketing da associação, Rodrigo Abreu, detalha quais os cuidados para se tomar na hora de escolher uma franquia.
- Entender a dinâmica do setor, o quanto esse empreendimento exigirá de dedicação e o estágio de expansão da marca (redes mais consolidadas tendem a ter menos pontos disponíveis).
- Entrar em contato com o maior número possível de franqueados e ex-franqueados para saber se a empresa oferece o suporte necessário, como é o direcionamento dos investimentos e o relacionamento.”O interessado pode perguntar qual foi o comportamento do franqueador durante a pandemia. Todo mundo sofreu e perdeu [vendas], mas é possível questionar se foram parceiros e deram suporte”, diz Abreu. Pela Lei das Franquias (13.966 de 2019), o franqueador é obrigado a oferecer ao interessado a lista de todos os franqueados e dos que saíram nos 24 meses anteriores.
- Atenção ao caixa. O franqueador dá uma estimativa de qual o investimento na franquia e as taxas de royalties e fundo de marketing (em geral, um percentual do faturamento). No entanto, como toda estimativa, o valor do aporte pode mudar a depender do local em que a franquia será instalada.Para evitar sustos, o empreendedor precisa adicionar à sua previsão de gastos iniciais o custo de reforma do imóvel que irá utilizar e considerar possíveis atrasos nessa obra, além dos desembolsos com aluguel e capital de giro.”O ponto comercial é uma decisão quase sem volta. É o que define o sucesso ou fracasso de um empreendimento. Quando se está animado, há o risco de achar que qualquer ponto está bom”, alerta o diretor da ABF.
- Cuidado com os “modismos” (quem não lembra da febre das paleterias mexicanas?) e trace projeções para o seu negócio que também incluam cenários mais pessimistas.
- Evite tomar crédito agora. Um empreendedor iniciante dificilmente terá acesso a carência e taxas de juros atrativas. Além disso, há o risco de tomar o crédito sem saber qual a real sazonalidade do negócio, o que pode dificultar o pagamento das parcelas.
- Sem vínculos. A lei das franquias estabelece que franqueador e franqueado são entidades à parte e não há vínculo empregatício entre os dois e nem entre os funcionários do franqueado e o franqueador. Ou seja, uma demanda trabalhista dos empregados de uma franquia será arcada pelo franqueado.
Atenção ao contrato
Tanto para o franqueador como para o franqueado, o principal documento é a Circular de Oferta de Franquia (COF). É esse documento que detalha as condições gerais do negócio, os direitos e devedores das duas partes e regras de sucessão.
É um documento privado e cada franqueador pode estabelecer as suas regras. “A nova lei deixou claro que é preciso haver muito mais transparência na relação”, explica o escritório Novoa Prado Advogados.
Além dos dados financeiros e aviso sobre pendências judicias, o documento precisa fornecer detalhes operacionais, como a necessidade ou não de pedidos mínimos dos produtos da marca, suporte que será oferecido e regras de sucessão, incluindo aí a falência da franquia, e transferência da franquia.
Outras regras também podem estar detalhadas, como a de territorialidade. Nela, o fraqueado pode ganhar o benefício de não ter outra franquia da marca em um raio de dois quilômetros pelos primeiros dois anos, por exemplo.
E com o avanço da digitalização e investimentos em comércio eletrônico, é importante que o franqueado cheque se o documento tem regras sobre a competição entre os canais da marca para saber se os franqueados têm participação nas vendas do e-commerce.
Outro ponto destacado pelo Novoa Prado Advogados é em relação a regras de não-concorrência. Nela, o franqueador pode estabelecer que o franqueado, ao término do contrato de franquia, não abra um negócio idêntico ao da marca que operava por um determinado prazo.