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O que os bancos ganham com juros compensa o que perdem com inadimplência?

Os bancos têm sido mais conservadores em 2022, seja para conceder novos empréstimos e até para emitir mais cartões de crédito

O cartão de crédito é um dos produtos que mais geram inadimplência para os bancos, mas também cobram juros mais altos. Foto: Shutterstock

O investidor que tem algum banco na sua carteira de ações deve estar com dor de cabeça de tanto ouvir a palavra “inadimplência”.

A cada vez que o Banco Central (BC) anuncia um novo aumento para os juros, volta-se a discutir, no mercado, o quanto os brasileiros vão atrasar mais o pagamento de seus empréstimos, o que, naturalmente, preocupa as instituições financeiras.

E os juros sobem com velocidade.

De março do ano passado para cá, a taxa básica, a famigerada Selic, saltou de 2% ao ano para 13,25%. E a projeção do mercado é que suba mais um pouco até o fim do ano, para 13,75%.

Os balanços do primeiro trimestre deste ano – os últimos divulgados – já deixaram claro que existe uma tendência de piora em como os clientes reagem. A inadimplência está maior e deve continuar em alta.

Como consequência, os bancos têm sido mais conservadores, seja para conceder novos empréstimos e até para emitir mais cartões de crédito.

Mas isso não quer dizer que investir em banco tornou-se um caminho tomado apenas pelos investidores com estômago para aguentar um voo com fortes turbulências.

Uma das máximas do mercado financeiro é a seguinte: nunca há crise para os bancos.

Se a economia não está fácil e os clientes atrasam suas dívidas, os bancos podem mais do que compensar essas perdas com o que ganham com juros maiores – é a margem financeira, que basicamente é o “lucro” da instituição em uma operação de crédito.

O investidor, a essa altura, já deve ter trocado a dor de cabeça por uma dúvida: como saber se o banco (ou os bancos) da minha carteira está (ou estão) conseguindo “driblar” a inadimplência com uma margem maior?

Antes de tudo, é preciso ter paciência.

O analista Renan Manda, que acompanha o setor bancário na XP Investimentos, ressalta que há uma certa demora até que os bancos mostrem uma margem maior, porque a maioria deles tem uma carteira em que o funding é prefixado e boa parte dos empréstimos passados foi concedida quando os juros estavam menores.

“Em um primeiro momento, a margem encolhe”, afirma o analista, em entrevista à Agência TradeMap. “Depois, à medida que os empréstimos antigos vão sendo pagos e novos vão sendo concedidos, com juros maiores, a margem vai aumentando.”

E a velocidade dessa transição vai variar de banco para banco e do tipo de crédito que cada um concede.

Um banco que tem uma carteira de crédito mais concentrada em financiamento imobiliário tem pouca flexibilidade para subir os juros, uma vez que os contratos são de longo prazo.

A capacidade de alterar os juros também é menor para quem é mais forte em crédito consignado, uma vez que o risco é baixo, com a garantia do salário do cliente.

Já um banco que é mais atuante em cartão de crédito, um produto de curto prazo e de maior risco, conseguirá fazer uma reprecificação com mais velocidade.

E, não custa lembrar, é comum que o mesmo banco se enquadre em diferentes perfis.

O Inter, por exemplo, tem uma carteira com fatias expressivas de crédito imobiliário (28,5%) e cartão de crédito (27,6%). O Banco Pan, por sua vez, tem 45% de consignado e crédito com garantia do FGTS e 12% de cartão de crédito.

Embora a margem dos bancos “demore” para reagir, Manda, da XP, acredita que o setor, de maneira geral, está em um ponto de inflexão.

“A maior parte da compressão dessa margem já passou. Estamos em um momento de estabilização e, no começo do ano que vem, vamos já ver uma melhora”, disse.

Assim como há uma piora no início do período de elevação dos juros, os bancos se beneficiam quando as taxas começam a cair, também por causa da defasagem para reprecificar.

“Os juros devem voltar a cair no ano que vem, então haverá um cenário mais favorável para margens maiores para os bancos”, diz Manda.

Mesmo que os efeitos dos juros ainda não estejam totalmente visíveis nas margens, o analista identifica dois bancos que estão bem posicionados para atravessar esse período.

Um deles é o Banco do Brasil, conhecido por ter uma das carteiras de crédito mais conservadoras do mercado, o que se reflete em uma baixa inadimplência. Os atrasos superiores a 90 dias representam apenas 1,9% da carteira do BB, a menor taxa entre os bancões.

Além disso, o analista lembra que a maior parte do dinheiro que o BB capta para emprestar vem da própria poupança dos clientes. Como a poupança gera retorno de no máximo 6% ao ano, o banco tem um custo baixo de captação.

“O banco acaba sendo menos sensível à variação dos juros”, afirma.

Não por acaso, os números do BB para inadimplência e a taxa média da margem (spread) estão, até o momento, praticamente inalterados, em uma comparação entre o primeiro trimestre de 2021 e o primeiro trimestre de 2022.

Enquanto a inadimplência teve uma ligeira queda de 2% para 1,9%, a taxa média da margem financeira oscilou de 3,7% para 3,5%.

A outra instituição que deve ir bem, na avaliação de Manda, é o Itaú, que tem uma atuação forte em hedge com derivativos para se proteger da alta dos juros na hora de captar os recursos que vai emprestar a clientes. “O Itaú consegue ter uma margem mais estável mesmo tendo uma carteira de crédito mais exposta a risco”, ele diz.

No primeiro trimestre deste ano, o spread do Itaú subiu para 7,9%, de 7,3% em igual período do ano passado, enquanto a inadimplência subiu apenas 0,2 ponto porcentual, de 2,7% para 2,9%.

Já o Bradesco, por outro lado, viu a inadimplência subir um pouco mais que a margem no segundo trimestre. Enquanto os atrasos superiores a 90 dias tiveram um aumento de 0,7 p.p, de 2,5% para 3,2% em um ano, a margem subiu 0,6 p.p, de 9,1% para 9,7%.

O gestor de ações Conrado Rocha, sócio da Polo Capital, afirma que os bancos digitais costumam ser mais ágeis na hora de rebalancear a carteira de crédito para se adaptar a um novo cenário de juros, embora os grandes bancos sejam mais diversificados e mais experientes na reprecificação.

“A depender do portfólio, se o banco tem menos crédito consignado, ele consegue começar a fazer mais consignado, e reduz o cartão de crédito”, ele diz, em entrevista à Agência TradeMap.

O Banco Pan, por exemplo, estava aumentando a participação do cartão de crédito na sua carteira desde 2019, mas resolveu estacionar em 2022. A fatia do cartão de crédito, que era de 5% em 2019, saltou para 12% em 2021 e nesse patamar ficou nos primeiros três meses deste ano. “O Pan tem sido bem ágil nesse rebalanceamento”, afirma Rocha.

O Inter, ele diz, é outro bom exemplo. Embora o balanço do primeiro trimestre mostre uma expansão da proporção de cartão de crédito em um ano, de 22,3% para 27,6%, o banco indicou, na teleconferência para comentar os resultados, que já estava pisando no freio em novas emissões de cartões, em uma resposta ao aumento da inadimplência.

Leia mais:
Inadimplência faz Inter (BIDI11) pisar no freio em cartão de crédito e carteira perderá ritmo

No primeiro trimestre, a inadimplência do Inter para clientes do cartão de crédito saltou para 6,6%, de 4,3% em igual período do ano passado. Não por acaso, neste mês o banco elevou o juro mensal do rotativo de 9,9% para 14,7%.

Para os balanços do segundo trimestre, o gestor da Polo Capital pondera que ainda é cedo para ver impactos mais significativos do aumento dos juros na inadimplência e nas margens, porque os movimentos feitos pelo BC na Selic demoram pelo menos seis meses para ter efeito.

No entanto, ele acredita que, de maneira geral, os bancos devem apresentar um aumento de 0,2 a 0,3 ponto percentual nas taxas de inadimplência. “Qualquer coisa acima disso já vai ser um sinal de alerta”, ele diz.

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O gestor afirma também que será importante olhar para as provisões dos bancos, que basicamente são os recursos que as instituições financeiras reservam para cobrir eventuais calotes dos clientes. Em tempos de crise, é natural que as provisões aumentem.

“É para ficar atento se houver aumento de inadimplência sem aumento de provisão”, ele diz.

De qualquer forma, Rocha ressalta que, mais importante do que os números que serão apresentados, serão os discursos dos executivos dos bancos, que vão indicar o cenário para os próximos trimestres.

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