Ontem à noite, a Neoenergia (NEOE3) resolveu colocar uma pulga atrás da orelha dos investidores às vésperas de 2022. Em suma, numa divulgação feita na surdina, com meses de atraso, a companhia informou que passará a pagar royalties à sua controladora espanhola Iberdrola.
A informação não foi divulgada por meio de um fato relevante, como usual, mas sim em um documento sobre transação entre partes relacionadas. A decisão foi tomada pelo conselho da Neoenergia em março, mas foi apresentada somente agora.
Conforme o documento, a empresa terá de pagar 0,9% da receita operacional líquida (ROL) ajustada, descontados os custos de energia e combustível, em forma de royalties. O contrato vale para os próximos 10 anos, podendo ser renovado por mais uma década, caso seja de interesse das partes.
O Santander estima o montante em R$ 160 milhões anuais. Em referência a 2021, o cálculo será feito a partir de 15 de março, data em que o conselho aprovou a operação. A ata da reunião deste dia, porém, não cita a mudança.
Crescimento da receita líquida da Neoenergia desde 2012, na base acumulada de 12 meses

Os investidores agora fazem as contas. O novo acordo com a controladora pode substituir antigos contratos entre as partes, que atualmente custam R$ 130 milhões anuais à empresa.
A diferença seria compensada por benefícios fiscais, mas ainda assim o negócio é indigesto.
É incomum que uma empresa de utilities pague royalties. Além disso, no âmbito local a Neoenergia não é conhecida pela marca da controladora, tampouco faz uso de melhorias técnicas ou contempla uma cooperação de gestão, por mais que a Iberdrola controle 52% da empresa.
Neoenergia na contramão da controladora
A operação foi anunciada no momento em que a Neoenergia está em pleno crescimento.
Com o turnaround bem sucedido de algumas unidades, como da Neoenergia Distribuição Brasília, a empresa tem elevado seus números de forma relevante, embora as ações não tenham acompanhado em 2021.
Desempenho das ações NEOE3 (verde) e do Ibovespa (amarelo) em 2021

No acumulado dos primeiros nove meses deste ano, a ROL somou R$ 29,73 bilhões, alta de 41% em relação ao mesmo período de 2020. O lucro líquido subiu ainda mais, cerca de 81%, para R$ 3,29 bilhões até setembro.
A alavancagem financeira — tema sensível às empresas do setor elétrico, já que precisam contrair dívida para investir em novos projetos — ficou em 2,86 vezes no terceiro trimestre. O número é 0,01 ponto percentual acima do acumulado em 2020, mas dentro do considerado prudencial.
Se, por um lado, o aspecto operacional da Neoenergia vem sendo bem dirigido, a controladora passa por uma desaceleração em seus números. Na comparação entre os nove primeiros meses de 2021 e 2020, o lucro líquido da Iberdrola caiu de 2,68 bilhões de euros para 2,40 bilhões de euros.
A contração de margens também é observada, assim como de rentabilidade. O Retorno sobre Patrimônio Líquido (ROE) recuou 0,73 ponto percentual em 12 meses, para 8,90%, pressionado pela crise energética na Europa.
Na visão do mercado, parece pouco conveniente à Neoenergia que a operação tenha acontecido neste momento, no método em que foi realizada e comunicada.
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Para a subsidiária brasileira, a permissão para o uso da marca traz benefícios no relacionamento com stakeholders, na adoção de padrões de qualidade compatíveis aos praticados globalmente e de melhores práticas comerciais.
No último release de resultados trimestrais, a Neoenergia menciona o nome da Iberdrola apenas uma vez, fazendo alusão a um projeto de impulsionamento da participação de mulheres em esportes.
Logo abaixo, a empresa cita suas medidas de governança corporativa, ressaltando que faz parte do Novo Mercado da B3. “A integridade é um valor que permeia o grupo”, diz a empresa, mencionando a certificação do ISO 37.001, de gestão antissuborno.
Fato é que mesmo que a operação traga benefícios fiscais, coloca um ponto de interrogação na governança da empresa, em função da falta de transparência. O mercado avalia que os princípios ESG, tão destacados pela Neoenergia, foram feridos com o episódio.
Confiança em torno dos resultados
A despeito das tensões causadas pelas partes relacionadas, o mercado ainda enxerga um oceano azul para a companhia.
Os dados compilados pelo Refinitiv, apresentados na plataforma do TradeMap, apontam para sete recomendações sobre a empresa. Dessas, seis são de compra, sendo que uma delas vem no teor de “compra forte”.
Apenas um analista recomenda a manutenção das ações, e ninguém acredita e este seja um bom momento de venda – ao menos até agora.
Na mediana, o preço-alvo aponta para R$ 25,11, o que perfaz um upside de 52% sobre o preço atual. Há quem enxergue os papéis da empresa valendo R$ 29, o que representa uma potencial valorização de 79%.
Percentual este que aumentou ao longo do pregão de hoje. Por volta das 16h45, as ações da Neoenergia caíam 5%, para R$ 16,21. A empresa é avaliada em R$ 19,69 bilhões na Bolsa.