Inflação dá trégua, mas pressão de custos segue ameaçando as empresas – entenda

Enquanto maioria das companhias não sentiu a baixa da inflação, algumas foram impactadas negativamente

Foto: Shutterstock/Mr.paripat niyantang

A inflação pode até ter dado um respiro para as companhias brasileiras, com o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) anotando deflação entre julho e setembro – mas não o suficiente para amenizar as pressões de custo, que seguiram prejudicando os resultados das empresas no terceiro trimestre.

A explicação, segundo analistas ouvidos pela Agência TradeMap, é simples, e está no caráter pontual da deflação registrada no período.

“Tivemos, no trimestre, uma deflação que não víamos desde 1998. Só que a queda foi por conta da redução de preços de combustíveis e da energia elétrica”, explica Victor Penna, head de equity research do BB Investimentos.

Em junho, o governo federal aprovou um projeto de lei estabelecendo que os impostos poderiam cobrar, no máximo, 17% de ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre os combustíveis, o que tem peso significativo. Além disso, a Petrobras (PETR3;PETR4) anunciou sucessivas reduções no preço do combustível vendido às refinarias.

Tomando como exemplo os dados de julho, quando a deflação foi de 0,68%, é possível perceber que apenas dois dos nove grupos que compõem o índice registraram queda: transportes e habitação.

Se não fosse pela redução nos preços dos combustíveis, o IPCA registrado em setembro seria de alta de 0,15%, em vez da queda de 0,29% anotada, segundo cálculos do BB-BI. O resultado de agosto, por sua vez, teria sido de aceleração de 0,32%, contra recuo de 0,36%, enquanto o IPCA de julho sofreria alta de 0,39%, em vez da baixa de 0,68% registrada, diz Penna.

Considerando que a inflação foi puxada para baixo pelos preços de combustíveis e energia elétrica, o analista do BB-BI afirma que já não era esperado que as empresas sentissem menos pressão de custos, já que as principais responsáveis por esta alta são as matérias-primas, que seguem em patamares elevados.

“A redução nos preços de combustíveis e energia ainda não é o que as empresas realmente esperam, e sim uma deflação mais forte de bens, materiais básicos e tudo o que é componente de custo para as companhias”, afirma o analista do BB-BI.

Já Aline Cardoso, chefe de estratégia de ações do Santander, nota que houve queda nos preços de commodities, impactando os resultados de mineradoras e siderúrgicas, que venderam seus produtos por menos. “A deflação está nestes setores, enquanto nos outros, nos setores domésticos, os preços ainda estão crescentes”, diz a analista.

Mas, mesmo que os preços de algumas commodities tenham caído no período, muitas companhias mantêm um estoque de matérias-primas, de modo que os efeitos de uma baixa nos preços podem levar mais tempo para serem sentidos, de acordo com Penna.

Por fim, pesa ainda o fato de, mesmo que a inflação entre julho e setembro tenha apresentado variação negativa na comparação mensal, os preços continuam elevados em relação ao ano passado, como evidenciado na inflação acumulada em 12 meses.

Algumas empresas foram impactadas

Apesar de a maioria das empresas ter fechado o terceiro trimestre sem ser impactada pela deflação, alguns setores e companhias específicos sentiram os efeitos negativos da queda dos preços.

Marcação a mercado prejudica Inter

É o caso de alguns bancos, como o Inter (INBR32), que sofreu com o efeito de marcação a mercado de seus ativos e passivos, segundo Victor Penna, uma vez que grande parte de sua carteira de títulos é vinculada à inflação.

Leia mais:
Inter (INBR32) reverte lucro e perde R$ 29,6 milhões no 3º trimestre, frustrando expectativas

De acordo com a gestão do banco, sua receita líquida de juros (NII) sofreu um impacto de cerca de R$ 100 bilhões relacionado à performance negativa de títulos fixados à inflação.

Segundo cálculos de Eduardo Rosman, Ricardo Buchpiguel e Thiago Paura, analistas do BTG Pactual, em relatório de 9 de novembro, a margem líquida de juros (NIM) do Inter no terceiro trimestre, que ficou 0,7 ponto percentual abaixo da anotada nos três meses anteriores, poderia ter tido alta trimestral de 0,5 p.p. se não fosse por este efeito não recorrente.

Transmissoras sofrem em bloco

Em uma perspectiva setorial, as transmissoras de energia elétrica também tiveram seu resultado contábil prejudicado pela deflação.

A redução na inflação impacta o rendimento das transmissoras porque as companhias têm seus contratos reajustados pelo IPCA e pelo IGP-M (Índice Geral de Preços-Mercado).

A título de ilustração, o IGP-M passou de 2,05% no terceiro trimestre de 2021 para 0,1% no mesmo período deste ano, e o IPCA foi de 2,38% para -0,37%, na mesma base de comparação.

Assim, no terceiro trimestre, companhias como Copel (CPLE6), Eletrobras (ELET3;ELET6), Energisa (ENGI11), Engie (EGIE3), Equatorial (EQTL3) e Taesa (TAEE11) tiveram o desempenho de seus braços de transmissão afetados pela deflação.

Pior já passou?

Olhando para o futuro, a leitura de Penna, do BB-BI, é que o pior ficou para trás, e que a inflação deve perder força. Ainda assim, os custos seguem elevados e, para o analista, o impacto sobre os resultados das companhias irá depender do crescimento econômico, que permite que as empresas repassem os custos ainda altos para os preços.

Para Cardoso, do Santander, essa já tem sido a realidade de muitas empresas, que reportaram crescimento de receita, mas Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) estável e contração de margens. “Elas estão com dificuldade de repassar o aumento de custos para os preços, e este é um sinal de que o consumidor está fragilizado e com dificuldades”, afirma a analista.

Além disso, Cardoso aponta que, no terceiro trimestre, as companhias passaram a adotar um tom mais pessimista em relação à inflação. De acordo com um levantamento realizado pelo Santander, a palavra “inflação” apareceu 118 vezes nas teleconferências de resultados das empresas que o banco cobre, contra 51 vezes no trimestre passado.

O banco também notou um aumento no uso da palavra “desaceleração”, assim como uma queda nas menções a “recuperação”, o que, de acordo com Cardoso, evidencia o tom mais cauteloso das empresas.

Compartilhe:

Mais sobre:

Leia também:

Destaques econômicos da próxima semana

Confira os principais eventos e suas possíveis repercussões:   Segunda-feira (31/03/2025)   08:25 – BrasilBoletim FocusO Banco Central do Brasil divulgará o Boletim Focus às

Mais lidas da semana

Uma newsletter quinzenal e gratuita que te atualiza em 5 minutos sobre as principais notícias do mercado financeiro.