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Inflação cairá para a meta em 2024 ‘se governo não atrapalhar muito’, diz Schwartsman, ex-BC

Em entrevista à Agência TradeMap, ex-diretor da autoridade monetária também afirma que mudar meta de inflação para esse ano não terá efeito na política de juros

Foto: Shutterstock/Deemerwha studio

Afrouxar a meta de inflação para abrir espaço para a queda dos juros seria uma estratégia ineficaz. A opinião é de Alexandre Schwartsman, ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central.

Em entrevista à Agência TradeMap, o ex-BC afirma que é possível entregar a inflação dentro da meta no ano que vem, de 3%, desde que o governo federal colabore – ele lembra que atualmente a autoridade monetária está mais preocupada com o resultado dos preços em 2024.

O caminho, porém, deve ser cheio de obstáculos. Para Schwartsman, o pacote fiscal apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é de um “amadorismo extraordinário” e será incapaz de entregar o déficit primário de 1,1% do PIB (Produto Interno Bruto) anunciado pelo governo.

“Nas minhas contas, vai ficar mais alto, entre 1,5% e 2%”, diz o ex-diretor do BC.

Segundo ele, a apresentação da proposta de um novo arcabouço fiscal, esperada para o final de março, não significa muita coisa, porque dificilmente mudará a dinâmica de aumento dos gastos públicos – em particular diante da perspectiva de aumento do salário-mínimo e das aposentadorias.

Prometer é uma coisa, tomar medidas concretas é um negócio totalmente diferente. A gente é muito bom em fazer promessas, a gente não é muito bom de entregá-las”, pontua.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista:

A meta de inflação foi estabelecida em 2019. Mas desde então, teve pandemia, com lockdowns rigorosos na China, e invasão da Ucrânia pela Rússia. A meta de 2023 continua fazendo sentido? Em que condições você acredita que cabe revisão da meta?

O Banco Central não está perseguindo a meta de inflação de 2023. O Banco Central já deixou claro que tem a meta de inflação de 2024. Se colocar a meta alta o suficiente, talvez o Banco Central não precise escrever uma carta no final do ano. Mas do ponto de vista de condução de política monetária, diz muito pouco.

O Banco Central sempre olha 18 a 24 meses na frente, que é o horizonte no qual a política monetária faz efeito. Se olhar a ata do Copom, ela diz que o horizonte dele é 12 meses que termina em setembro de 2024, e já avisou que quando entrar no segundo trimestre, vai mudar foco para 2024 em ano cheio, então a meta de 2023 não quer dizer muita coisa.

[A meta] foi feita lá atrás por uma razão, e diga-se de passagem, funcionou razoavelmente bem. Se olhar qual era a expectativa de inflação de 2023, durante muito tempo ficou perto da meta, então ela serviu o papel dela.

Diante do cenário que temos hoje, o Banco Central conseguirá trazer a inflação para a meta em 2024?

Se o governo não atrapalhar muito, dá. O Banco Central publicou recentemente as projeções dele, e o que ele tá dizendo é que não dá de chegar na meta se começar a cortar [a Selic] já em meados desse ano. Se adiar alguns meses, consegue chegar na meta, então está no meio do caminho.

Obviamente tem muita água para rolar embaixo dessa ponte, em particular se não tiver nenhum grande impulso fiscal.

Quando a Selic poderia cair, na sua avaliação? 

Pelo andar da carruagem, é mais para o final do ano. Obviamente que depende de um monte de coisa no caminho. Se tiver alguma sinalização de disciplina fiscal, pode ajudar. Se não tiver, fica mais difícil.

Em um cenário mais otimista e outro mais pessimista, em que ponto a Selic deve encerrar o ano?

Se não tiver nenhum grande progresso, acho que dá para baixar para 13%. Se tiver mais progresso, talvez dê para baixar até 12,50% e 12,75%, que é o consenso de mercado hoje.

Mas não estou vendo nenhum grande progresso na área fiscal.

Como o senhor vê os embates entre Lula e o Banco Central? O presidente está certo em cobrar juros menores?

O presidente pode cobrar o que for, mas o Banco Central não fixa juros com base nos desejos presidenciais. Se fosse isso, ele provavelmente sequer teria subido a taxa no ano passado.

Agora, concretamente, o efeito desses ataques foi conseguir elevar tanto as expectativas de inflação quanto as de juros futuros. Tem sido um tiro no pé.

Do ponto de vista político, consegue empurrar a culpa para o Banco Central. Se for essa avaliação, tudo bem. A minha avaliação como economista é que, graças essa postura, o que a gente viu foi que os juros futuros subiram uma barbaridade, e a expectativa de inflação também. Essas duas coisas jogam contra o governo.

Ameaças de tirar autonomia do Banco Central trazem algum efeito prático?

Deve ajudar a manter a base dele em polvorosa. Esse aspecto não é diferente dos métodos empregados por Bolsonaro, que também falava barbaridades.

Do ponto de vista prático, não vai rolar, mas mantém a base atiçada. Inclusive o Congresso já disse que não pretende alterar a autonomia do Banco Central.

O que achou do pacote fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad?

De um amadorismo extraordinário. Eu truco que vá entregar um déficit primário na casa que o Fernando prometeu, que o pacote em si supostamente eliminaria o déficit desse ano.

O próprio ministro reconheceu que não dá. Ele falou em déficit de 1,1%. Nas minhas contas, vai ficar mais alto, entre 1,5% e 2%.

Não vai ser os 2% e pouco que está no Orçamento, porque o Orçamento me parece meio descalibrado, com projeção de receita meio tímida. Mas está mais perto do número do Orçamento do que do número de 1,1%.

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O que falta na proposta para trazer uma credibilidade maior?

O que falta é qual será o plano de ação para lidar com o problema do gasto público no Brasil. E plano de ação não é arcabouço fiscal. Qualquer arcabouço fiscal no Brasil está devidamente desmoralizado.

O problema é que tem uma regra, e tem um conjunto de outras regras que determina a evolução do gasto. Por exemplo, tem questão previdenciária, que boa parte está ligada a evolução do salário-mínimo.

Um aumento real do salário-mínimo vai ter o aumento real do gasto previdenciário. Como se casa as duas coisas? Você abandona o arcabouço fiscal. E todas as vezes que teve um conflito entre uma coisa e outra, quem perdeu foi o arcabouço fiscal de plantão.

Não é questão de prometer um arcabouço fiscal. Concretamente, que medidas eu estarei tomando para fazer com que a evolução do gasto nos próximos anos seja diferente?

É tão simples quanto isso, e a resposta não é estar com um novo arcabouço que promete que o gasto não vá crescer. Prometer é uma coisa, tomar medidas concretas é um negócio totalmente diferente. A gente é muito bom em fazer promessas, a gente não é muito bom de entregá-las.

O que acha que vai acontecer com o dólar em 2023?

Ainda um cenário de dólar forte. Teve um otimismo exagerado sobre a desinflação dos Estados Unidos. Vai acontecer, não tem muita dúvida a esse respeito. A questão é a velocidade de queda da inflação.

Olhando para as condições da economia norte-americana, e em particular para o mercado de trabalho, parece difícil que a inflação caia de uma maneira muito rápida.

Significa que a política monetária norte-americana vai elevar a taxa básica. O último número consensual é na casa de 5% e 5,25%, talvez seja mais do que isso, 5,5% de juros.

Um cenário em que o Fed traga a Fed Funds para 5,5% é um cenário em que o dólar se valoriza globalmente.

O mundo está mais inflacionário? Pode ser uma mudança estrutural na inflação?

Certamente o mundo passou por um surto de inflação muito além do que se esperava. Tem gerações de operadores de mercado que nunca tinha visto a inflação nos atuais patamares.

E tem motivos para isso, foi basicamente uma combinação de políticas monetária e fiscal muito frouxas. Simultaneamente, vários países no mundo expandindo os gastos e reduzindo os juros.

Obviamente tinha o problema da pandemia, é compreensível naquele momento. Mas o fato que esses estímulos continuaram além do que, em retrospecto, pareceria necessário.

Agora tem que trabalhar para tirar esses impulsos da economia, então vamos ter que conviver com períodos de taxa de juros mais altas, algum período de contenção fiscal.

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