A Dotz, uma das empresas de tecnologia que fizeram IPO em 2021, acabou de completar um ano desde a estreia na Bolsa e, a julgar pelo desempenho das ações até então, não caiu nas graças dos investidores.
Da abertura de capital, realizada no dia 27 de maio do ano passado, até hoje, o papel da companhia — conhecida por desenvolver e gerenciar programas de fidelização de clientes para o varejo — acumula uma queda de 67%, em um cenário em que o negócio opera no prejuízo e o mercado penaliza as empresas de tecnologia como um todo.
A própria Dotz, porém, prefere encarar esse aniversário de outra forma.
Em entrevista à Agência TradeMap, o CFO da companhia, Otávio Araújo, ressaltou que a Dotz cumpriu todas as promessas feitas no IPO e fez questão de explicar que há um caminho traçado para tornar o negócio lucrativo.
No primeiro trimestre deste ano, a empresa apresentou prejuízo líquido de R$ 22,1 milhões, afetado principalmente por despesas operacionais que atingiram a marca R$ 11,8 milhões. O resultado negativo, porém, é 19,1% menor que o de igual período do ano passado.
A tendência, disse Araújo, é que os resultados negativos continuem diminuindo ao longo dos próximos trimestres.
Segundo ele, os prejuízos ocorrem em razão da própria estratégia do IPO. Dos cerca de R$ 30 milhões destinados para despesas em 2021, cerca de 80% tiveram como finalidade o aumento do time, afirmou.
“Essas despesas não vão precisar mais subir”, ele disse. “Se olharmos para o primeiro trimestre deste ano, em comparação com o quarto do ano passado, já tivemos queda. Olhando para frente, com a aceleração que temos visto na receita, vamos diluir esses resultados. Para nós, despesa é investimento.”
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Na comparação entre os últimos dois trimestres da empresa — o primeiro de 2022 e o último de 2021 –, as despesas caíram quase 80%, enquanto a receita se manteve em patamar próximo a R$ 30 milhões.
Já em relação ao desempenho negativo nas ações, Araújo vê a queda do papel como algo sintomático do setor de empresas de tecnologia, relacionado ao aumento da Selic.
Quando os juros sobem, os investidores tendem a se afastar do setor, uma vez que os negócios mais arriscados ficam menos atrativos e as companhias de tecnologia geralmente precisam se provar lucrativas.
Além disso, o CFO explica que o free float da Dotz, ou seja, a proporção de ações que a empresa negocia na Bolsa, é baixo, o que aumenta a volatilidade e deixa a ação mais sensível a movimentos de mercado.
Segundo dados retirados da plataforma do TradeMap, a empresa possui cerca de 13,29% de ações ordinárias em circulação na B3. A Positivo, por exemplo, uma empresa de tecnologia que está na Bolsa desde 2006 e faz parte do Ibovespa, tem um free float de 46%.
“Muito da liquidez que tivemos foi por conta da situação do free float ser pequeno. Esse ano, nossa perfomance está relativamente boa, na minha visão, comparando com outras techs, vemos que está avançando bem”, comenta o CFO. Desde o início do ano os papéis da empresa passaram de R$ 2,74 para os atuais R$ 4,24, um aumento de 53,28%.

As promessas do IPO e o futuro da Dotz
Em relação ao que esperar da Dotz, Araújo afirma que a ideia é dar continuidade ao que foi feito até agora. No campo das aquisições, a empresa comprou em abril, por R$ 49 milhões, a fintech Noverde, uma startup que concede crédito para pessoas físicas por meio de parcerias.
Araújo comenta que a empresa adquirida já era parceira da Dotz, e que a aquisição fazia muito sentido para fortalecer o braço de serviços financeiros da companhia, principalmente pela composição dos colaboradores da fintech — um time de 100 pessoas, com 70 focadas em crédito e tecnologia, que serviram para “complementar o que já vinhamos construindo e oferecer uma plataforma de fácil navegabilidade para os clientes.”
As futuras aquisições já têm uma linha a seguir, segundo o executivo: “times fortes, produtos com tecnologia já relativamente maduros e soluções que possam acelerar os negócios que já estamos fazendo.”
Em relação ao desenvolvimento do marketing, outra promessa do IPO, Araújo afirmou que a intenção da Dotz era dar mais notoriedade aos produtos da companhia, principalmente pelos canais digitais.
Ele cita três pilares do negócio da Dotz. O primeiro é o Loyalty, o programa de fidelidade em si, que estimula a recorrência do usuário em lojas em troca de pontos para novas compras e encerrou março com 52,6 milhões de cadastrados, um avanço de 9,6% em relação ao mesmo período do ano anterior.
O segundo é o marketplace da própria empresa, que, segundo o balanço do primeiro trimestre deste ano, atingiu R$ 85,3 milhões em volume bruto de mercadorias vendidas (GMV) no período.
E, por fim, há os serviços financeiros. Os cartões emitidos em parceria com Banco do Brasil e Banco BV levaram a uma base de 205 mil clientes ativos no primeiro trimestre, um crescimento de 21% em relação ao primeiro trimestre do ano passado. O volume total de compras, por sua vez, somou R$ 1,5 bilhão, um crescimento de 56% ante um ano antes.
Araújo destaca que a estratégia da empresa foi de juntar os três pilares, na intenção de trazer clientes para comprar outros produtos. “Por exemplo, um cliente loyalty que gera R$ 20, se ele entrar no nosso ramo de cartão de credito, ele já vai para R$ 200. Se vai pro marketplace, passa para os R$ 500, e se pega um produto financeiro, já vai pra R$ 800″, simulou.
Segundo ele, isso pode ser visto na receita média por usuário da empresa. No primeiro trimestre deste ano, esse indicador subiu 60% na comparação anual, e chegou a R$ 36 por cliente. “Quando o cliente se engaja em mais de um produto, o ARPU [receita média por usuário] pode aumentar de nove vezes (dois produtos) a até 33 vezes (quatro produtos)”, destacou a empresa no balanço dos três primeiros meses deste ano.
Alta de juros e aumento da inadimplência
Ao atuar no ramo de serviços financeiros, a empresa acaba ficando refém de variáveis macroeconômicas como o avanço na taxa de juros e na inadimplência, indicador que todos os bancos mostraram aumento no primeiro trimestre deste ano.
Relembre:
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Contudo, Araújo enxerga a empresa resiliente nesses dois aspectos. Primeiro, em relação aos juros, ele vê a empresa atuando no que o mercado chama de B2B2C (Business-To-Business-To-Consumer, na sigla em inglês), quando a Dotz vende um serviço para um consumidor, mas com essa venda facilitada por um outro negócio.
“Uma empresa parceira nos procura para vender mais e ter mais rentabilidade. Da mesma forma, o cliente quer ter benefício e ver seu dinheiro render mais. Durante esse período, nós aceleramos as conversas com os parceiros para pensar em novas ferramentas de fidelidade”, explicou o CFO.
Segundo Araújo, a alta dos juros e da inflação não trouxe nenhum impacto relevante nos negócios. “Continuamos a crescer em todas as linhas de negócios e o segmento Loyalty atingiu mais de 15 novos parceiros nos últimos 12 meses”, completou.
Já a inadimplência já preocupa um pouco o executivo. Todavia, ele vê a empresa blindada em relação ao problema, pois não está negociando com “clientes no mar aberto”, mas, sim, no próprio “aquário”, em referência ao fato de só oferecer os produtos financeiros para quem já faz parte da base de usuários.
“Supondo que o consumidor precise comprar uma geladeira e não tem pontos suficientes na plataforma para trocar. Podemos dar para ele uma alternativa de fazer isso nos serviços financeiros, por exemplo”, explicou.