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Com mais de R$ 1 bi em caixa, construtoras como MRV (MRVE3) e Direcional (DIRR3) podem se diferenciar?

O cenário de taxas de juros baixas no Brasil, realidade até o início da pandemia de Covid-19, impulsionou a atividade das construtoras e, em meio a um aquecimento na demanda, as companhias aceleraram a construção e o lançamento de imóveis.

Agora, com a Selic a 13,25%, o jogo virou, e a demanda vem ficando mais apertada – o que é especialmente preocupante considerando o excesso de oferta vindo dos últimos anos.

Na visão de especialistas ouvidos pela Agência TradeMap, esse contexto é difícil para todas as construtoras. Algumas, porém, podem se sair um pouco melhor. É o caso de empresas como MRV (MRVE3), Direcional (DIRR3) e Cyrela (CYRE3), que acumulavam, respectivamente, R$ 1,4 bilhão, R$ 1,1 bilhão e R$ 1,1 bilhão em caixa ao fim do primeiro trimestre.

De acordo com Roberto Sampaio, head de imobiliário da Empírica, posições de caixa acima do patamar de R$ 1 bilhão não são comuns no segmento de construção civil, que demanda investimentos elevados – e podem ser resultado de um comprometimento de longa data por parte de MRV, Direcional e Cyrela.

Uma possibilidade levantada por Sampaio é que, desde que abriram capital na Bolsa de Valores, quando receberam uma injeção de recursos, essas empresas tiveram disciplina de gestão, enquanto outras gastaram uma fatia maior de seus caixas na compra de terrenos e na aceleração dos lançamentos de empreendimentos.

“Houve uma eficiência muito boa destas três empresas na gestão de caixa. Elas sempre preservaram. Então a explicação talvez seja que, no momento em que obtiveram essa posição de caixa, priorizaram a manutenção dessa posição”, explica.

Vantagens operacionais

O primeiro ponto que as diferencia das demais, na análise de Guilherme Sales, gerente sênior da Peers Consulting, é a segurança para esperar o momento certo para vender as unidades que possuem em estoque. Com a piora no mercado, muitas construtoras têm precisado “liquidar” esses imóveis, praticando preços mais baixos e, como consequência, perdendo margens.

De 15 incorporadoras de capital aberto consultadas, dez tiveram contração de margem entre o primeiro trimestre de 2021 e o mesmo período deste ano, em uma média de 2,65 ponto percentual, segundo levantamento realizado pela Agência TradeMap. Na comparação com os três primeiros meses de 2019, período anterior à pandemia de Covid-19, a retração média foi ainda maior, de 4,7 ponto percentual.

“As construtoras que têm caixa conseguem segurar o preço dos apartamentos, sem precisar fazer muitas promoções ou baixar o preço de construções que fizeram no passado”, afirma Sales. “Primeiro ponto de diferenciação é em relação à rentabilidade, à margem de venda das empresas que têm caixa”, completa.

E, com isso, as empresas inclusive mantém suas posições vantajosas de caixa, diz Sampaio, da Empírica. “É um círculo virtuoso. Ela consegue resultados bons nas vendas, e consegue preservar essa posição de caixa justamente por ser uma geradora de caixa”, explica.

Nesse mesmo sentido, Giuliano Dedini, gestor da 4Um Investimentos, destaca que as construtoras capitalizadas têm condições de concluir as obras em andamento, sem necessariamente depender de vendas para financiar os projetos em curso. “Se a empresa depende de venda, é obrigada em algum momento, como o atual, a queimar margem. Porque é melhor terminar um empreendimento com margem pequena do que ficar pela metade do caminho”, ressalta.

Além disso, as companhias capitalizadas costumam ter um poder de barganha maior com fornecedores, seja na compra de materiais de construção ou na contratação de serviços. “Como a empresa tem o dinheiro imediato, consegue fazer negociações melhores”, destaca Sales, da Peers Consulting.

Isso é particularmente importante, segundo o especialista, em um momento como o atual, em que os custos de construção estão em disparada.

De acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) registrou alta de 11,75% em junho, na comparação com o mesmo mês do ano passado. Ainda que a alta nos preços dos materiais de construção venha desacelerando, os custos de mão de obra vêm pressionando o índice, em meio a reajustes salariais.

“Esse poder de barganha com fornecedores é essencial para que a empresa consiga ter melhores oportunidades, até para que as construções em andamento tenham rentabilidade melhor”, explica Sales.

Ele aponta também que as construtoras mais capitalizadas devem sofrer menos com um eventual aumento nos distratos. “As empresas com caixa vão conseguir manter uma saúde financeira melhor em um cenário em que as pessoas irão cancelar financiamentos com uma maior tranquilidade para manter a operação girando”, diz.

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Nesse ponto, porém, Dedini, da 4Um, ressalta que, com a lei dos distratos de 2018, nenhuma das construtoras deve sofrer tanto quanto na crise de 2016 e 2017.

“Na época, o sujeito que tinha começado a pagar decidia que não queria mais [o imóvel] e recebia tudo o que tinha investido. Isso quebrou uma série de construtoras e empreendimentos”, relembra. “Hoje, o sujeito que quer cancelar recebe de volta, no máximo, metade do valor investido. Então, no final das contas, as incorporadoras ganham uma multa e vendem os apartamentos de novo, provavelmente por um preço maior”, completa.

Pé mais leve

Apesar de terem caixa para investir, a expectativa dos especialistas é que essas construtoras também tirem o pé do acelerador em termos de lançamentos, assim como seus pares. Segundo o gestor da 4Um, “ninguém está desacelerando por vontade própria”. “Todo mundo vai precisar desacelerar, porque não tem mercado a ser ganho.”

De acordo com analistas do Bank of America, em relatório distribuído a clientes em 5 de julho, os números de lançamentos e vendas ainda devem cair mais antes de apresentarem recuperação, “devido a uma deterioração na confiança do consumidor, a taxas de financiamento mais altas, à inflação da construção e a estoques em alta”.

As companhias também não devem aproveitar o momento de preços baixos para comprar terrenos, diz Dedini. Ele afirma que a maioria das incorporadoras já tem um estoque considerável. “Acho que as empresas já estão com terrenos suficientes para muitos anos de lançamento.”

Existe, no entanto, a possibilidade de essas construtoras ganharem participação de mercado por meio do investimento em suas áreas comerciais, acelerando a venda de produtos já construídos, na visão de Sales, da Peers Consulting.

Para Dedini, um bom uso dos recursos que essas empresas têm em caixa pode ser o incentivo ao financiamento. No contexto atual, o gestor acredita que um dos principais desafios do mercado serão as condições para os compradores financiarem as compras, o que pode acabar por comprimir ainda mais a demanda.

Com as condições de financiamento mais difíceis pelos bancos, que deverão exigir taxas maiores, pode ser uma boa hora de as empresas agirem. “Vai caber às incorporadoras encontrar uma engenharia financeira para viabilizar isso”, afirma o gestor. E as construtoras mais capitalizadas poderão arcar com condições melhores, como prazos mais longos de financiamento.

“O principal valor hoje, para mim, é fazer bom uso desse capital, viabilizando ou dando prazo para os clientes, para manter as vendas pelo menos mais estáveis”, completa.

Outra vantagem da capitalização, de acordo com Sampaio, diz respeito à obtenção de crédito. Mesmo empresas com caixas elevados precisam de crédito para tocar seus empreendimentos, explica, e o caixa é considerado um ponto positivo pelos credores, que tendem a oferecer condições de financiamento melhores para estas empresas. “Essas empresas têm acesso a crédito muito mais fácil e muito mais barato do que uma empresa com posição de caixa mais complicada”, afirma.

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