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Por que as construtoras vão sofrer menos com desistências de compras do que na crise passada

Taxa de desemprego controlada e valorização nos preços dos imóveis jogam a favor das companhias, apesar do juro mais alto

Foto: Shutterstock

As construtoras brasileiras têm registrado aumento em seus níveis de distrato – isto é, rescisão de contratos de compra por parte dos clientes. Em um ambiente de aumento de inflação, que diminui o poder de compra da população, e de alta de juros, prejudicando as condições de financiamento, este movimento era esperado e, por enquanto, não preocupa, segundo especialistas ouvidos pela Agência TradeMap.

“Essa era uma apreensão muito grande desde o começo do ano, principalmente aqui no Brasil, porque fomos o primeiro país a subir os juros depois do início da pandemia. Então, já havia uma apreensão de quão rápido a economia iria se recuperar e como isso poderia afetar os distratos”, afirma Felipe Paletta, analista e sócio da Monett.

Essa preocupação era ainda maior devido ao histórico do mercado imobiliário nos últimos anos, principalmente considerando a crise imobiliária de 2015 e 2016, quando os distratos chegaram à casa de 40%, ou 30% para as empresas listadas na Bolsa de valores.

A situação agora, porém, é outra, de acordo com os analistas, que citam uma série de fatores que indicam que as construtoras não devem sofrer tanto quanto no passado.

“O panorama geral é bem diferente da crise que tivemos em 2015. Estamos tendo uma crise muito mais de mercado do que de atividade”, diz Brunno Donadio, sócio e especialista em renda variável da Equitas, mencionando surpresas positivas em indicadores como a taxa de desemprego, que está em trajetória de queda.

Com isso, mesmo que a inflação esteja pesando sobre a renda e as condições de crédito, o fato de as pessoas permanecerem empregadas já é um ponto positivo em relação a 2015 e 2016.

Em segundo lugar, Paletta menciona a lei do distrato, aprovada em 2018. Antes da mudança de regulação, um consumidor que optasse pelo distrato recebia de volta 90% do valor de compra, enquanto agora a devolução pelas construtoras é de, no máximo, 75%, podendo ser de 50% em alguns casos — o que acaba sendo um desestímulo para que os compradores desistam do imóvel.

Outro ponto importante é que, durante a crise de 2016, o cenário de recessão era mais forte e os imóveis não estavam se valorizando, impossibilitando que o consumidor pudesse repassar os imóveis para um terceiro comprador. “Agora, com os preços dos aluguéis e dos imóveis em alta, vemos um cenário diferente. O consumidor, em vez de distratar, consegue passar para a frente”, explica Paletta.

Nesse mesmo sentido, a valorização do preço dos imóveis também faz com que os consumidores se empenhem mais para não abrir mão de seus contratos, uma vez que, caso decidam comprar outro imóvel mais à frente, terão de pagar mais caro.

“Se hoje ele distratar por falta de crédito e quiser comprar outro apartamento, ele vai perder muito dinheiro, porque o preço do imóvel valorizou muito nos últimos anos. Todo mundo está tentando fazer o máximo para não perder o imóvel por causa dessa inflação”, diz Donadio.

O especialista da Equitas completa que, ainda que isso também tenha ocorrido no início da crise de 2015, o desemprego no período era mais alto e, depois de um tempo, o preço dos imóveis começou a cair. “É claro que pode piorar, mas não parece que isso irá acontecer. Não parece que haverá uma espiral negativa de distrato”, diz Donadio.

Do lado das empresas, a situação também é diferente da crise anterior, segundo Donadio. “Antes havia muitas empresas alavancadas, que cresceram muito e perderam o controle da operação. Cada distrato era um buraco maior no fluxo de caixa, sendo que as empresas estavam endividadas e tinham problemas de liquidez”, explica o analista. “Desta vez as empresas estão bem melhores”, completa.

Finalmente, a própria postura das incorporadoras, mais abertas à negociação, tende a protegê-las dos distratos, segundo Paletta. “O distrato é sempre um tema muito importante para as incorporadoras. Elas preferem reduzir a margem de lucro do que ter um cliente distratado”, explica o analista, que vê as empresas mais abertas a negociar neste momento.

Tudo isso, segundo os analistas, faz com que os níveis de distrato registrados atualmente, embora estejam maiores em relação a um ano antes, fiquem muito abaixo dos registrados na última crise. Atualmente, diz Paletta, os distratos giram em torno de 20% no mercado em geral, e entre 14% e 15% para as incorporadoras listadas em Bolsa.

 

Algumas empresas, como Cyrela (CYRE3), JHSF (JHSF3) e Plano & Plano (PLPL3), não divulgam os dados de distratos, enquanto outras, como a Cury, a Lavvi, Mitre, ainda não tinham capital aberto em 2016.

Apesar de os números estarem “comportados” até agora, os analistas admitem que a situação pode piorar, a depender do ritmo de recuperação da economia e dos patamares de inflação e juros. Na visão de Paletta, os distratos podem subir para a casa de 25% no curto prazo, afetando a receita das empresas.

Donadio concorda que os distratos podem aumentar, mas também acredita que não deva ser um crescimento dramático.

Entre as construtoras, a análise de Paletta é que aquelas expostas a um público mais sensível à inflação tendem a ver seus distratos subirem a um ritmo mais elevado, enquanto as que trabalham com um público de renda mais alta e, portanto, com mais flexibilidade para repassar os custos mais altos ao consumidor, devem sofrer menos.

Já na visão de Donadio, as empresas que devem se sair melhor são as que têm caixas robustos, que agem como proteção durante momentos difíceis e, quando o ciclo começa a melhorar, fazem com que as companhias saiam na frente. Entre estas, o analista cita Eztec (EZTC3), Lavvi (LAVV3) e Cyrela (CYRE3).

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