Após queda de 17% no mês, FII HCTR11 se recupera nesta terça em meio a dúvidas sobre conflito de interesse; entenda

Investimento em título de dívida de shopping popular gera questionamento por parte de cotistas

Foto: Shutterstock

Após acumular perda de 17,4% em abril, até o dia 18, o fundo imobiliário de recebíveis Hectare CE (HCTR11) se recuperou nesta terça-feira (19), depois de a gestora Hectare publicar um relatório em que busca esclarecer os questionamentos sobre potenciais conflitos de interesse envolvendo o portfólio.

O fundo liderou ontem as perdas do Ifix, índice que acompanha os fundos imobiliários listados na Bolsa, com queda de 7,3%, para R$ 97,50, mas fechou hoje em alta de 7,5% a R$ 104,80.

Segundo um gestor de fundos imobiliários que não quis se identificar, a queda recente da cota do fundo na Bolsa se deve a uma série de dúvidas envolvendo o investimento do Hectare CE, inclusive com a falta de detalhamento sobre a oferta de cotas em andamento, no valor de até R$ 4,862 milhões.

O HCTR11 é um fundo de papel que tem 72,8% da carteira alocados em CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários), que correspondem a títulos de divída com lastro em recebíveis do setor imobiliário.

O questionamento sobre os investimentos do fundo surgiu em março, quando o HCTR11 comprou R$ 78,3 milhões em CRIs do Shopping Popular Circuito de Compras, conhecido como “Feira da Madrugada”, localizado na cidade de São Paulo.

A gestora investe em títulos com lastro em recebíveis desse empreendimento desde agosto de 2020. O novo investimento foi feito por meio da compra dos papéis no mercado secundário e correspondeu a cotas do tipo mezanino, que absorvem primeiro as perdas em caso de inadimplência em relação às cotas seniores, que são mais protegidas.

A ressalva por parte do mercado se deve ao fato de o fundo já ter uma participação no capital do shopping como acionista minoritário, com um valor em carteira de R$ 231 milhões. A alocação foi feita em setembro de 2021 por meio da compra de cotas do fundo de fundos R CAP 1810 (XBXO11), o que, na visão de alguns analistas, configuraria um conflito de interesse, já que o fundo estaria financiando um ativo do qual já é sócio.

“O mercado questiona se essa seria uma forma de o fundo investir além do limite de 10% por ativo, já que estaria concentrando a exposição em um mesmo emissor”, diz um gestor de FII.

Outro analista complementa: “não é comum no mercado um fundo de recebíveis, que tem como mandato comprar papéis de dívida do setor imobiliário, investir no equity de um ativo”.

Em relatório gerencial de março, divulgado pela Hectare ontem à noite, a gestora argumenta que o investimento no ativo não cria um conflito de interesse, dado que o retorno do CRI é predefinido, pelo fato de não ser a única investidora desses papéis e a participação no equity ser de acionista minoritário.

“Não achamos, portanto, que faz sentido a afirmação de que o fundo emprestou dinheiro para si mesmo e nem que ele poderia protelar nenhuma ação ou decisão por conta disso. Ele apenas se expõe de maneira diferente em termos de risco/retorno ao mesmo ativo, junto com outros investidores em cada uma das classes”, aponta a Hectare ao mercado, em relatório.

Segundo a gestora, o ativo tem grande potencial por ser um centro de comércio organizado, seguro com infraestrutura de qualidade no maior centro de compras do Brasil, e em uma região onde há poucos terrenos disponíveis para outro shopping. “O tempo de acompanhamento havia feito crescer nosso conforto com a operação e com isto tomamos a decisão de investir no equity visando extrair maiores retornos do ativo”, aponta a Hectare, no relatório.

Um outro ponto que o mercado questiona trata da estrutura societária da própria gestora, já que o grupo atua também como securitizadora emissora dos papéis.

“Em relação ao CRI, este segue uma estrutura de governança apartada e própria da securitizadora e agente fiduciário”, argumenta a Hectare.

Risco da CPI da Pirataria

O avanço das investigações da CPI da Pirataria é outro ponto que gera preocupações em relação ao fundo.

O objeto da CPI é a investigação de comercialização de produtos fruto de pirataria e contrabando na região central da cidade de São Paulo, na qual está instalado o empreendimento, não sendo ele o objeto principal da avaliação realizada pela Câmara Municipal de São Paulo.

O representante do consórcio do empreendimento compareceu à CPI e apresentou o histórico das ações já realizadas na região, principalmente em relação à infraestrutura física e de serviços oferecidas pelo shopping, que segundo a gestora trouxe segurança e regularização para os antigos comerciantes da antiga Feira da Madrugada, além de implementar medidas para coibir e punir a comercialização de produtos ilegais em suas dependências.

A CPI marcou a oitiva, em 2 e 9 de maio, de proprietários ou administradores de 27 shoppings de comércio popular na capital, que estão no escopo das investigações da Comissão.

O empreendimento decorre de contrato de concessão celebrado com o município de São Paulo, de maneira que a sua execução é acompanhada e fiscalizada pelo Tribunal de Contas Municipal, por meio da instauração de processos de auditorias. A gestora diz não ter conhecimento de qualquer decisão do TCM/SP que possa repercutir negativamente sobre o contrato de concessão do empreendimento.

Shopping populares são mais afetados com alta de juros

Em um cenário de alta de juros e queda da renda, os shopping populares, com foco em baixa renda, tendem a sofrer mais. “Esse é um ativo muito desafiador. Em um momento de juros altos, esse público que depende mais de crédito barato sofre mais”, diz o gestor de FII.

Com apenas quatro meses de operação, o shopping conta com 632 lojas e 1.414 boxes ocupados, de um total de 1.316 e 4.002 respectivamente. “Seguimos assim confiantes que, em curto espaço de tempo, o shopping estará operando a plena capacidade”, afirma a Hectare, em relatório.

A receita potencial do shopping, sem inadimplência, com os boxes (62%) e as lojas já vendidas (78%), sem descontos promocionais, é de R$ 14,64 milhões por mês. Com todos os pontos de venda operando mais o estacionamento, o número saltaria para algo próximo de R$ 25 milhões mensais. A despesa de juros do CRI atualmente é de aproximadamente R$ 3,8 milhões ao mês.

Além desse investimento, o analista de FII chama a atenção para o investimento em CRIs de maior risco como de multipropriedades, que respondiam em março por 34% da carteira do fundo HCTR11.

O retorno do fundo, considerada a distribuição de dividendos, desde seu IPO, em julho de 2019, até março de 2022 foi de 77%, contra 6,8% do Ifix e 12,2% do CDI. “Quem investe nesse tipo de ativo mais high yield [de maior risco e maior retorno] já deveria estar ciente desse tipo de risco”, diz um gestor de FII.

Em março, o fundo distribuiu R$ 1,40 por cota, o que equivalente a um dividend yield de 1,17%. O portfólio conta com um patrimônio de R$ 2,4 bilhões e tinha em março 173.203 cotistas.

Procurada pela Agência TradeMap, a Hectare não retornou o pedido de entrevista.

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