Colunista Roberto Dumas

Roberto Dumas

Professor de economia internacional do Insper e mestre em economia chinesa pela Universidade de Fudan, na China.

Um novo choque de oferta: a política de “Covid zero” na China

ilustração com bandeira da China e gráfico com histórico de cotações de mercado

Foto: Shutterstock

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Ninguém falou que o fim de 2020 seria o fim dos nossos problemas. Mas, benza Deus! Bem antes de quase acabar o choque de oferta ocasionado com o outbreak da Covid-19 em 2020, fomos afetados pela guerra da Rússia versus Ucrânia, com impacto em toda a logística e fornecimento de petróleo, gás natural e fertilizantes. E agora somos acometidos pelos efeitos advindos da política draconiana da política de “Covid zero” estabelecida pela China.

Parece no mínimo estranho um país com quase 1,4 bilhão de habitantes acreditar que uma política sanitária dessa magnitude logrará zerar as infecções por Covid. Claro que peço minhas sinceras desculpas como economista e não infectologista. Talvez algum doutor da saúde ache isso possível com o lockdown no gigante asiático, mas no auge da minha ignorância, creio ser quase impossível.

Por que uma política tão restritiva?

A China tem praticado uma política muito restrita com o controle das infecções. Não estamos falando de algo do tipo “fique em casa”, mas um lockdown compulsório de 200 milhões de habitantes em mais de 20 cidades. Isso significa quase um Brasil inteiro sem poder sair de casa ou com limitações absurdas.

Apartamentos selados e transeuntes desavisados são ferozmente colocados em hospitais de campanha semelhantes a campos de concentração por policiais vestidos de astronauta, e pais separados de filhos mesmo assintomáticos. Exagero.

E por que esse exagero?

Ouso dizer que o governo chinês tende a se assemelhar a uma grande orquestra onde os músicos obedientes tentam cumprir com a partitura do líder autocrático da melhor forma possível, mas com total falta de harmonia e desorganizadamente.

Com o devido respeito e licenças poética e histórica, talvez esse comportamento de desorganização e ímpeto em atender aos anseios do líder supremo lembre bastante o terrível período do Grande Salto à Frente (1958-1962).

Implantado por Mao Zedong e levado a cabo pelas províncias ávidas por produzir a maior quantidade de aço possível, mesmo que às custas de menor produção agrícola e maior parte da população ligada à agricultura, cidadãos foram alocados compulsoriamente na produção e aço em suas casas em fornos improvisados.

Quais serão os possíveis impactos para a economia brasileira e mundial?

Após essa breve digressão, quero ressaltar, primeiramente, que o congestionamento de contêineres  no porto de Xangai e outros deve-se nitidamente ao cerceamento do transporte terrestre, onde caminhões são impossibilitados de entrar e sair das cidades. Mesmo quando possibilitados, os motoristas são submetidos a testagens ad nauseam, atrasando toda a logística nos portos.

Com essa demora de embarques e recebimentos, podemos esperar mais um choque de oferta que afetará novamente toda a cadeia de suprimentos do mundo, principalmente o fornecimento de semicondutores e produtos elétricos e eletroeletrônicos.

E, com isso, consequentemente, haverá impacto na produção de carros, drones e tratores utilizados no agronegócio e no fornecimento dos produtos finais, como equipamentos elétricos e toda a cadeia de eletroeletrônicos.

Estima-se que, mesmo que essa política seja flexibilizada atualmente, a indústria de carros e tratores, dada a falta de semicondutores, venha a se normalizar, na melhor das hipóteses, apenas no primeiro trimestre de 2023. Afinal, o transporte marítimo da China para o Brasil leva em média de seis a nove meses.

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Como se não bastasse um choque de oferta advindo da invasão da Ucrânia pela Rússia, suscitando menor oferta de produtos essenciais para o mundo, a política de Covid-zero implantada pelo Partido Comunista Chinês tende a ceifar ainda mais a possibilidade de crescimento econômico global.

A economia em todo o mundo certamente também será prejudicada com maior restrição monetária por parte dos bancos centrais como forma de endereçar essa inflação de oferta.

*As opiniões, informações e eventuais recomendações que constem dos artigos publicados pela Agência TradeMap são de inteira responsabilidade de cada um dos articulistas. Os textos não refletem necessariamente as posições do TradeMap ou de seus controladores.

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