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Ocidente vai radicalizar nas sanções à Rússia, com profundos impactos na economia mundial, vê especialista

Para pesquisador do Cebri, Brasil sofrerá com falta de fertilizantes e alta do petróleo

Na provável ausência de uma reação militar dura do Ocidente à invasão da Ucrânia pela Rússia, todos os esforços se concentram em sanções econômicas cada vez mais duras por parte dos Estados Unidos e países da Europa aos russos.

Esse cenário deve levar ao aumento ainda maior da inflação global, já que os russos e ucranianos são grandes produtores de petróleo e gás e fertilizantes, avalia Ronaldo Carmona, pesquisador-sênior do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).

O Brasil é particularmente vulnerável em fertilizantes. O agronegócio adquire 85% do volume aplicado nas lavouras de outros países, e a Rússia responde por 30% de tudo o que é importado, segundo dados do Ministério da Economia.

“Nosso agronegócio tem profunda dependência do fertilizante externo. Nossa condição de potência agrícola tem essa grande fragilidade, que é uma questão que precisamos enfrentar rapidamente”, aponta Carmona.

Veja abaixo entrevista com o especialista.

Quais os possíveis impactos sobre a economia global do conflito entre Rússia e Ucrânia?

Esse confronto entre Rússia e Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) possui vários ângulos, e um deles é a questão energética. A Europa tem uma dependência fortíssima do abastecimento de energia, sobretudo de gás, já que 40% do gás da Alemanha vem da Rússia.

Por outro lado, há uma situação nova, que é o fato de os Estados Unidos, de dez anos para cá, terem adquirido autonomia energética. Desde o período do Trump [Donald Trump, ex-presidente americano] os EUA pressionam a Alemanha a desistir do Nord Stream 2 [gasoduto russo], inclusive porque querem se colocar como fornecedores de petróleo para a Europa.

Essa questão vem desde o período Trump e continua com Joe Biden [presidente dos EUA].

Além da energia, os aspectos mais relevantes têm a ver com o fato de que, desde o final da Guerra Fria, o Ocidente buscar neutralizar o ressurgimento da Rússia como potência mundial.

Em um momento de relativo enfraquecimento dos EUA e da Europa, a Rússia se sentiu em posição para enfrentar um interesse vital deles: a origem da própria nação russa, com Kiev [capital da Ucrânia] vista como o seu berço ancestral por razões históricas.

Isso tem desdobramentos, pela potência que a Rússia é. Estamos falando de petróleo e gás, não de cacho de banana. É uma commodity que é um fator de poder.

Qual o impacto do conflito sobre as commodities?

São vários. Primeiro, que o troco da Otan a respeito desse avanço de posições dificilmente poderá ser uma resposta militar. Uma resposta dessa natureza envolveria potências nucleares, e poderia gerar a destruição do mundo.

O que o Ocidente vai fazer é radicalizar nas sanções, com profundos impactos na economia mundial. Se a Rússia for banida do sistema de comércio ocidental, isso vai ter fortes impactos sobre essas três questões: energia, agronegócios, sobretudo trigo, e fertilizantes.

Os russos são grandes exportadores de trigo, concentram um terço das vendas, e importantes fabricantes de fertilizantes, inclusive para o Brasil. Boa parte das nossas compras vêm da Rússia, da Ucrânia e de Belarus.

Isso impactaria pesadamente os preços de commodities. Já tem gente vendo o petróleo chegando a US$ 150 o barril, o que arrebentaria com qualquer possibilidade de recuperação da economia mundial. Seria um cenário dramático, e países mais vulneráveis tendem a sofrer mais.

O que isso significaria para o Brasil?

Haveria um primeiro impacto que é na questão dos fertilizantes. Nosso agronegócio tem profunda dependência do fertilizante externo. Nossa condição de potência agrícola tem essa grande fragilidade, que é uma questão que precisamos enfrentar rapidamente.

Tem também a questão energética em si. Pode impactar para o Brasil em um fator crítico, que temos sentido nos últimos tempos, que é o preço dos combustíveis.

A política da Petrobras é de alinhamento com os preços internacionais, e uma guerra mais intensa poderia afetar ainda mais o preço do combustível no mercado interno.

No limite podemos ter que rever essas questões, esses canais de impacto na economia.

As sanções do Ocidente à Rússia podem fazer esse conflito se resolver? Ou a tendência é se arrastar por mais tempo?

O interesse imediato do Putin [Vladimir Putin, presidente da Rússia] é forçar um acordo, em um cenário parecido com a crise dos mísseis de Cuba, de 1962 [conflito em que a União Soviética instalou mísseis em Cuba e forçou os EUA a se comprometerem a não invadir a ilha].

Querem cessar o avanço da Otan, que já dura 20 anos, no Leste Europeu.

E a China está com a Rússia nesse cenário?

A China se depara com problemas parecidos com o da Rússia. Hoje há enormes pressões de natureza territorial sobre a China, envolvendo Taiwan e Hong Kong.

Então a China também possui pressões de natureza territorial. Há algumas semanas houve uma visita do Putin a Pequim para a abertura dos Jogos de Inverno, onde fecharam uma aliança tática que tem repercussões sobre o fator energético.

A Rússia tem condições, se for banida do comércio internacional, de direcionar parte substancial da sua produção para a China.

Existe o risco de uma guerra em escala global a partir do conflito na Ucrânia?

Acho improvável uma guerra mundial, porque seria uma guerra entre grandes potências nucleares.

Tem até um termo para esse cenário: destruição mútua assegurada. Se uma potência atacar a outra, será revidado, e todo mundo perde. É uma guerra que ninguém ganha.

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