Os dados que fogem do óbvio e ajudam gestoras a ganhar dinheiro

Casas como Giant Steps, Encore e SulAmérica têm apostado em dados alternativos para impulsionar suas estratégias

Pedro Simonetti, sócio da Giant Steps. Foto: divulgação

Quem trabalha na Giant Steps, uma gestora brasileira especializada em fundos quantitativos, tem na ponta da língua uma história que envolve o bilionário investidor Warren Buffett e poderia servir de roteiro para um desses filmes sobre grandes sacadas de Wall Street. 

Em 2018, uma casa de análise dos Estados Unidos percebeu, por meio de ferramentas de rastreamento de voos, que um jatinho pertencente a uma empresa de petróleo havia pousado no aeroporto da cidade de Omaha, no estado de Nebraska, onde mora Buffett. 

A informação foi repassada a clientes que, imediatamente, passaram a especular que a tal empresa de petróleo estava em busca de financiamento para conseguir comprar uma concorrente por US$ 38 bilhões. 

Dois dias depois, Buffett anunciou que estava investindo US$ 10 bilhões na companhia e, quem já sabia antes das conversas, conseguiu fazer fortunas com a valorização das ações. 

O segredo, é claro, não foi simplesmente ter a informação de que a empresa havia ido visitar Buffett, mas, sim, usar a pista como ponto de partida para investigar o que estava acontecendo e ter uma visão a mais do cenário mais provável. 

“Você não pode ser ingênuo e olhar um dado de forma isolada”, afirma Pedro Simonetti, sócio da Giant Steps, em entrevista à Agência TradeMap. “É preciso ir atrás de mais informações para entender todo o contexto. Quanto mais dados, mais precisa a sua análise.” 

O rastreamento de voos feito para identificar a visita a Buffett é o que o mercado financeiro chama de dado alternativo. Trata-se basicamente de uma tentativa de fugir do óbvio na hora de tomar uma decisão de investimento. 

No caso do investimento em ações, o óbvio seria se limitar a analisar os balanços da companhia e os indicadores macroeconômicos mais relacionados àquele negócio – como a inflação e o desemprego são para as empresas do varejo. 

A maioria das instituições de mercado, que não tem tempo nem recurso para buscar dados alternativos, vai olhar apenas para os dados tradicionais. Já quem consegue colocar uma lupa em dados alternativos pode sair na frente e ganhar dinheiro com isso. 

Inspirados em casos como o da visita a Buffett, o time de gestão da Giant Steps tem trabalhado em dados alternativos desde 2018. Após um início mais tímido, a área passou a ser impulsionada em 2020, quando a XP fez um aporte e virou sócia da gestora, que administra cerca de R$ 7 bilhões. 

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No começo, a Giant Steps se limitava a comprar bases de dados alternativos prontas do exterior para fazer análises sobre ativos globais, como juros, moedas, commodities e bolsas – que dominam o principal fundo da casa, o Zarastrutra, que está completando dez anos e acumula um retorno de 270% do CDI no período. 

Agora, com a ajuda dos recursos aportados pela XP, a gestora tem empenhado esforços para montar uma base própria, que seja útil para analisar também as empresas brasileiras. 

A gestora não pode revelar detalhes – afinal, seria como entregar o ouro à concorrência –, mas a ideia é criar uma base de dados focada em geolocalização, que seja capaz de monitorar o fluxo de pessoas em estabelecimentos comerciais, como lojas de rua ou shopping centers. 

“Graças ao caixa trazido pela XP, conseguimos olhar para isso com mais segurança”, afirma Simonetti. 

Segundo ele, a base ainda está sendo construída, mas já está em fase final e logo estará pronta para ajudar em decisões sobre investimentos em empresas. 

Ele ressalta, porém, que os dados alternativos são apenas uma peça do tabuleiro. “Não acreditamos em modelos de dados alternativos que não se complementem a outras informações”, disse. 

Por exemplo, se um analista olha para a queda do fluxo de uma loja, pode concluir que aquela empresa não está bem. É possível, no entanto, que a companhia tenha mudado a sua estratégia e agora esteja focada no e-commerce. 

Para cuidar dessa peça do tabuleiro, a Giant Steps contratou Renato Baba, que deixou uma gestora nos EUA para ser head de dados alternativos na casa brasileira, onde, no tempo livre, se diverte derrotando os colegas de time no xadrez. 

O uso de dados alternativos para a tomada de decisões de investimentos é mais frequente entre gestoras que trabalham com fundos quantitativos, que estão cada vez mais comuns. 

No Brasil, além da Giant Steps, há outras casas que atuam com fundos quantitativos, como SulAmérica, Encore, Daemon, Clave Capital, Kadima, Rio Bravo, Canvas Capital, Constância, Pandhora, Murano, Garde, Mauá Capital, Claritas, Bradesco Asset Management e Itaú Asset. 

Mais com menos 

Não é preciso ir tão longe para usar dados alternativos em tomadas de decisões. Em algumas vezes, pode-se recorrer a dados públicos, que estão disponíveis para todos, mas que demandam uma análise mais aprofundada.

A Encore, por exemplo, procura baixar as planilhas disponibilizadas pelos órgãos reguladores de alguns setores, como a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), para vasculhar informações que sejam úteis. 

“São planilhas que às vezes chegam a 2 bilhões de linhas e não abrem no Excel”, afirma Francisco Muniz, analista quantitativo da Encore. “Mas pode ter algo ali que pode gerar algum valor.

Em outra situação, ao analisar empresas do varejo, a Encore também costuma estudar dados de cidades e regiões onde as companhias estão abrindo lojas, para saber se os indicadores relacionados à população e à economia dos locais sugerem negócios promissores ou não.

Dessa forma, a gestora consegue ir além do que está exposto no balanço da companhia, que em geral só traz os resultados de vendas no geral, ou de lojas que já existiam, sem que o analista ou o investidor consiga saber exatamente a contribuição de cada unidade da empresa. 

Assim como no caso de Buffett, a Encore não pode se limitar aos números. Os dados econômicos de uma cidade não vão dizer com precisão qual é o desempenho daquela empresa naquela região. Trata-se apenas de um ponto de partida. “Se percebemos algo de diferente, procuramos a empresa para entender o que está acontecendo”, afirma Muniz.

De olho nas palavras

Maurício Irie, superintendente de Inteligência Quantitativa da SulAmérica, calcula que 80% dos dados usados pelo mercado são tradicionais e que só 20% são alternativos. Para ele, porém, os alternativos tendem a crescer em relevância a atingir um patamar de 30%. “São nesses dados que estão a diferenciação de uma análise”, afirma. 

A SulAmérica passou a investir em dados alternativos há cinco meses e, desde então, tem se dedicado a montar uma ferramenta que consiga analisar palavras usadas em notícias e estabelecer relações com os movimentos dos mercados. 

Trata-se de uma tarefa difícil, uma vez que palavras não são números e carregam um alto grau de subjetividade. “Se eu faço um estudo das palavras mais comuns e aparece a palavra manga, como vou saber que é a manga fruta ou a manga da camisa?”, ele brinca, para dar um exemplo. 

O esforço da SulAmérica ainda está no começo. Por enquanto, o trabalho tem se concentrado em construir nuvens de palavras a partir de uma análise do que é publicado em veículos de comunicação tradicionais ou mídias sociais. 

Por dia, são capturadas cerca de 4 mil manchetes, que em média contam com algo entre 10 a 20 palavras cada uma, o que gera uma captura de 40 a 80 mil palavras. 

Até o momento, a SulAmérica tem procurado encontrar relações entre palavras e os principais mercados, como Bolsa, dólar e juros. “Fazemos uma inferência do conjunto de palavras que mais influencia a variabiliadade dos ativos”, afirma o gestor, que deu o exemplo de conjuntos como “Lula, aborto e Twitter” ou “Bolsonaro, presidente e  Petrobras”. 

A asset da SulAmérica ainda não usa a ferramenta para analisar empresas, mas Irie garante que isso está nos planos. A ideia é que o instrumento esteja azeitado o suficiente para que se torne escalável e possa ser usado para estudar diferentes ativos. “Assim, poderemos apenas trocar a base de informações e aproveitar boa parte do que já montamos”, diz. 

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