Investir no Tesouro Direto e ao mesmo tempo guardar recursos para a aposentadoria, sabendo o quanto você vai receber durante um período predeterminado de tempo na velhice? Essa é a ideia em estudo no Tesouro Nacional para um novo papel de previdência que irá compor o cardápio dos títulos públicos, que deve ser lançado em 2022. A informação foi dada pelo novo secretário do Tesouro Nacional, Paulo Valle, ao Estadão, e confirmada pela Agência TradeMap.
A ideia é simplificar o planejamento da previdência, determinando um período de acumulação de recursos que duraria entre 30 e 40 anos e durante o qual o investidor não receberia juros. Após esse período, ele teria acesso a um rendimento mensal estipulado no momento da aplicação.
A pessoa física informaria qual renda deseja ter na aposentadoria e quando pretende parar de trabalhar, e saberia quantos títulos da nova aplicação do Tesouro Direto teria de comprar para atingir esse objetivo.
Segundo fontes ouvidas pela reportagem, a tributação dos ganhos seria igual a de outros títulos de renda fixa, cuja alíquota do Imposto de Renda varia de 22,5% a 15% após o período de dois anos. Ou seja, esse poderia ser um produto mais vantajoso que um fundo de previdência com tributação regressiva, a mais utilizada, que prevê a redução do pagamento de IR de 35% para 10% após 10 anos.
Nesses fundos, uma alíquota igual à da renda fixa, de 15%, só é alcançada após um período de tempo bem maior, de oito anos.
Para evitar essa assimetria de condições, que pisaria no calo da indústria de fundos de previdência, o pulo do gato do novo título está em um aspecto que ainda não foi definido pelo Tesouro: se o resgate antecipado será permitido, e em quais condições.
A questão é: se a pessoa física resolver vender sua aplicação durante o período de acumulação, qual será a penalidade? Ela receberá apenas o que investiu ou terá direito a alguma remuneração, já que esses títulos só pagam juros ao investidor após o período de acumulação?
“Esse é um dos pontos em discussão, dentre muitos outros”, apontou um técnico do Tesouro a par das conversas. “Permitimos saque? Se sim, atualizamos pelo valor de mercado ou pela curva de juros?.” Hoje, quando o investidor vende títulos do Tesouro Direto antes do vencimento, recebe o valor de mercado dos papéis, que pode inclusive ser menor que o investimento feito até então.
De acordo com a fonte do Tesouro, o novo produto não tem como objetivo necessariamente atrair o investidor pelo retorno. “Não é uma comparação de retornos, ainda que possa ficar acima ou abaixo, o tempo vai dizer. É uma questão de desenho”, afirma. “É simplicidade com segurança e rentabilidade”.
Taxa de administração x diversificação
A ausência das tradicionais taxas de administração e de carregamento, que são regra nos fundos de previdência, é um dos fatores que pode ajudar a atrair os investidores para o novo título do Tesouro Direto.
O economista brasileiro Fabio Giambiagi é autor de um estudo defendendo a criação de um papel com essas características, que foi publicado no dia 16 deste mês.
Ele defende que um título nesses moldes é um caminho de política pública que fomentaria o planejamento previdenciário no Brasil, e lembra que uma taxa de administração de 1% pode reduzir em até 20% o saldo acumulado nesses fundos. As praticadas de fato são bem maiores que isso.
“As taxas de administração dos planos de previdência de EAPC [Entidades Abertas de Previdência Complementar]/Seguradoras são em média da ordem de 1,8% ao ano, sendo em média 1,7% para planos mais conservadores e 1,9% para planos mais agressivos na política de investimentos”, apontou.
Atualmente, os fundos de previdência de renda fixa altamente conservadores respondem por mais de 60% do patrimônio dessas aplicações.
“Um título público previdenciário nos moldes aqui propostos teria a virtude de conter em um único instrumento as fases de acumulação e pagamento de renda, combinando tais atributos de forma simples, de fácil compreensão e com baixo custo para o cidadão. Desse desenho o cidadão precisa saber responder a apenas duas perguntas: i) quanto deseja receber na aposentadoria; e ii) quando pretende se aposentar”, afirma ele no estudo.
Vale lembrar, no entanto, que os planos de previdência privada permitem a alocação em fundos balanceados, que investem em diferentes classes de ativos, inclusive ações, e oferecem uma carteira mais diversificada para o investidor, o que traz um potencial de retorno maior que uma aplicação apenas em papéis de renda fixa.
O que levar em conta
E o que é preciso ter em mente na hora de escolher como acumular recursos para a aposentadoria? Um dos principais pontos é o regime de tributação.
No caso dos fundos de previdência aberta, existem dois regimes diferentes – regressivo e progressivo – e cabe ao investidor escolher um deles na hora da contratação do plano. Por isso, é importante considerar por quanto tempo pretende investir e o valor que pretende aplicar por ano para entender a melhor modalidade para você.
No caso de quem opta pela tributação regressiva, a alíquota de IR varia de 35% a 10%, caindo conforme o prazo da aplicação aumenta. Por isso, o ideal é não resgatar os recursos no curto prazo. Nesse caso, para atingir os 15% da menor alíquota que o investidor pagaria nos títulos do Tesouro, ele teria que permanecer por pelo menos oito anos em um fundo de previdência.
Já para quem opta pela tabela progressiva de IR, a alíquota do Imposto de Renda segue as mesmas regras aplicadas aos salários e aumenta de acordo com o valor resgatado no momento do saque ou retirado em forma de renda.
Assim, para quem opta por resgatar todo o saldo no momento do resgate, é descontada uma alíquota de 15% de Imposto de Renda na fonte e o investidor faz o ajuste na declaração de IR do ano seguinte.
Se o beneficiário optar pela retirada dos recursos do plano como renda, será descontado o IR de acordo com o valor da renda mensal, seguindo a tabela a seguir.
Fonte: Receita Federal | |
Período de aportes | Alíquota de IR |
Até 2 anos | 35% |
de 2 a 4 anos | 30% |
de 4 a 6 anos | 25% |
de 6 a 8 anos | 20% |
de 8 a 10 anos | 15% |
Mais de 10 anos | 10% |
Como é possível notar, a tabela progressiva é indicada para quem tem um saldo menor a receber ou tem um horizonte de investimento menor que 10 anos, para poder pagar uma alíquota menor de imposto.
Uma vantagem dos fundos de previdência é poder aproveitar o benefício fiscal. Quem contrata um plano de previdência privada da modalidade PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) pode deduzir as contribuições feitas até o limite de 12% da renda bruta tributável ao ano da base de cálculo do Imposto de Renda.
No caso do PGBL, o imposto só é pago no resgate do investimento (total ou parcial) e incide sobre o valor total acumulado no período.
No caso do plano VGBL (ou Vida Gerador de Benefício Livre), a dedução do imposto é feita apenas sobre os rendimentos, por isso, é mais indicado para quem é isento de IR ou que faz a declaração de Imposto de Renda pelo modelo simplificado.
Opções já existentes no mercado
Hoje já existem no mercado de previdência privada planos que oferecem a possibilidade de o investidor receber o valor acumulado como pagamento em forma de renda recorrente. Esse pagamento pode ocorrer das seguintes formas:
Renda vitalícia: paga exclusivamente ao participante até o seu falecimento.
Renda temporária: renda paga por tempo determinado, que se encerra com o fim do prazo ou com a morte do participante. Aqui o beneficiário define um prazo para o recebimento do pagamento.
Renda vitalícia com prazo mínimo garantido: após a morte do participante, a renda é revertida ao beneficiário/herdeiro por um prazo preestabelecido. Se o titular morrer depois do prazo, a renda não é revertida.
Renda vitalícia reversível ao beneficiário indicado: depois da morte do titular, um percentual da renda é paga ao beneficiário indicado também até o fim de sua vida.
Renda vitalícia reversível ao cônjuge com continuidade aos menores: depois da morte do beneficiário, um percentual da renda é revertida ao cônjuge até o fim da sua vida, quando passa aos filhos menores até a maioridade.
Tanto a renda mensal vitalícia quanto a renda temporária são caracterizadas como rendas atuariais, nas quais o valor aportado fica todo para a seguradora, que se compromete a fornecer as rendas mensais conforme contratado.
A principal diferença entre elas é que na renda mensal vitalícia da previdência privada o beneficiário terá direito de receber sua renda até o final da vida, mesmo que viva mais tempo do que a estimativa.
Apesar de essa escolha sobre a modalidade de renda ser obrigatória, ela pode ser modificada até dois meses antes da data de saída, quando a instituição financeira deve entrar em contato com o participante para confirmar qual modalidade de renda ele vai querer.
Existe a possibilidade de o investidor resgatar o dinheiro antes do fim do período de contribuição, mas isso está sujeito a regras específicas de carência de cada plano.