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Copa do Mundo: Jogador de futebol planeja o futuro financeiro?

Falta de educação financeira, família e aposentadoria precoce estão entre os principais desafios dos atletas

Foto: Shutterstock/janews

A Copa do Mundo do Catar reúne os jogadores mais famosos e bem pagos do mundo. Com alguns milhões (seja de reais ou euros) em conta, a dúvida é como esses profissionais fazem para fazer a gestão desses recursos, ainda mais em um cenário de carreira curta.

O primeiro ponto é que os salários astronômicos são uma realidade de poucos, restrito a quem consegue jogar na Europa ou nos grandes times brasileiros.

Levantamento da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) mostra que apenas 2% dos jogadores profissionais possuem ganhos acima de 20 salários-mínimos. Uma fatia de 13% ganha entre dois e 20 salários e a maioria tem uma renda mensal em linha com a média do brasileiro.

Outro ponto é que mesmo entre a parcela bem paga, não são incomuns casos de falência, arresto de bens e perdas financeiras que se tornam públicas.

Não há estudos nacionais sobre o tema, mas como paralelo, o NBER (National Bureau of Economic Research, na sigla em inglês) mostrou que 78% dos ex-jogadores da liga de futebol americano, a NFL, enfrentam alguma dificuldade financeira após dois anos da aposentadoria.

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Esse número dá uma dimensão de como é difícil o entendimento de jovens atletas sobre finanças pessoais e planejamento financeiro.

Para os que conseguiram alcançar essa elite, o desafio é fazer com que os recursos do período de atividade sejam suficientes para garantir a aposentadoria – que para um jogador de futebol pode começar aos 35 anos ou até antes, a depender das lesões no meio da carreira.

Convencer o jovem

Especialistas envolvidos na gestão de patrimônio de atletas profissionais são unânimes em dizer que esse planejamento deveria começar cedo, logo no primeiro contrato.

Mas os entraves para isso são muitos. Vão desde convencer um jovem de 17 anos a pensar em aposentadoria no momento em que lida com as pressões de consumo, a necessidade de ajudar a família e a ausência de iniciativas de educação financeira nos clubes.

Mitsuo Alves é ex-jogador de futebol e atualmente é sócio-fundador da gestora de patrimônio XL Partners e da AGMW Invest, com cerca de 50 jogadores e ex-jogadores como clientes, entre eles Dudu, do Palmeiras, o pentacampeão Rivaldo e o ex-jogador e técnico Renato Gaúcho.

“Cada atleta possui uma necessidade financeira diferente. O que tento mostrar é qual padrão de vida ele quer ter quando parar de jogar. A partir daí, é possível estabelecer o quanto ele terá que poupar”, diz.

O gestor de patrimônio lembra que a carreira de um jogador, a partir da profissionalização, não vai durar muito mais que 15 anos, sendo que nos primeiros anos ele não irá conseguir juntar muito dinheiro.

“Todo atleta quer ser como o Cristiano Ronaldo e ter o que ele tem, mas não tem cabeça para administrar. Não pensa que pode até ter um salário alto, mas ainda não tem o patrimônio que o Cristiano Ronaldo já possui”, conta.

Alves conta que o mais adequado é conversar com esses jogadores e ver qual o padrão de vida eles querem ter. A partir desse ponto, é traçado o quanto ainda resta de carreira e o percentual ideal a ser poupado. O valor, e o padrão de vida, pode subir caso o jogador ascenda nos anos seguintes.

Já em termos de alocação, o gestor é categórico ao dizer que é preciso ter uma postura conservadora, já que são clientes que têm um curto espaço de tempo para acumular patrimônio e, em caso de erros, há pouco tempo para recuperar as perdas. E com a taxa Selic a 13,75% ao ano, Alves considera o Tesouro Direto suficiente para boa parte das necessidades desse público.

No entanto, o que mais se vê é o contrário. Recentemente, o nome de alguns jogadores e ex-jogadores, como Zico e Neymar, surgiram entre os investidores da JJ Invest, pirâmide financeira que sumiu com cerca de R$ 170 milhões. Nos anos 2000, também era grande o número de jogadores que investiram na Boi Gordo.

Antonio Calil, também da AMGW, afirma que os jogadores, assim como outros profissionais poucos afeitos ao mundo financeiro, acabam gostando das histórias de produtos que garantem uma renda elevada em curto período de tempo.

“Mas o jogador não pode errar porque não vai ter tempo para recuperar essa perda e nem terá outra fonte de renda. Ele precisa entender essa diferença”, diz.

Dinâmica familiar

Outro desafio para o jovem atleta é ter que lidar também com a dinâmica familiar. A maior parte vem de uma origem difícil e com os primeiros contratos, passam a sustentar a família, que vai muito além de pai e mãe ou mulher e filhos.

“O jogador de futebol é responsável por muita gente. É pai, mãe, a tia que a ajudou da criação, primos e amigos. Isso também gera problemas de relacionamento”, conta Fagner Marques, ex-jogador de futebol e planejador CFP certificado pela Planejar (Associação Financeira de Planejamento Financeiro).

Alves, da XL Partners, lembra ainda que é esse núcleo familiar que muitas vezes leva o jogador a uma má alocação dos recursos. Com foco em jogar bola, ele acaba aceitando investir ou ser sócio de negócios dos amigos e que nem sempre vingam – mas é o único com bens que podem ser penhorados no futuro para arcar com as dívidas do negócio que não vingou.

Outro ponto que leva a uma perda do patrimônio ao longo dos anos são os divórcios, uma vez que nem sempre recebem a orientação de realizar contratos pré-nupciais que possam resguardar os recursos no futuro.

Falta de educação (financeira)

São poucos os jogadores que seguem o exemplo do ex-meio-campo e atual diretor de futebol do Lyon, Juninho Pernambucano. Enquanto jogador, ele poupou 70% dos valores recebidos com o intuito de manter um bom padrão de vida após a aposentadoria.

Marques atualmente é planejador financeiro, mas conta que só voltou a estudar aos 24 anos, quando parou de jogar. Até então, tinha frequentado só o ensino fundamental. Ter poucos anos de estudo é comum entre os jogadores profissionais, que desde muito cedo começam a ser assediados por empresários ou precisam se dedicar aos treinos e competições.

Com base em sua experiência, ele afirma que o principal conselho a um jovem atleta é que ele tente viver com um padrão financeiro um pouco inferior ao que a renda de jogador permite. Com essa folga, conseguirá acumular algum patrimônio e também lidar com os escorregões do caminho.

“Mesmo jogadores de times profissionais e grandes se deparam com atrasos de salário ou do direito de imagem. Ele pode ter um problema de fluxo de caixa e isso se tornar um problema financeiro se ele não estiver preparado”, diz.

E para evitar esses escorregões, a outra recomendação é evitar compromissos financeiros de longo prazo. Marques lembra que diferente de um profissional de uma carreira mais tradicional, o jogador de futebol não tem 30 anos para pagar um imóvel. Além disso, precisa ter em mente que patrimônio também gera custo e que isso deve ser levado em conta no planejamento.

“Tem jogador que encerra a carreira e não vai achar uma outra atividade para ganhar o que o futebol deu e precisa se desfazer do patrimônio construído. E quando a venda é feita por necessidade, ele perde dinheiro”, diz.

Clubes resistem a difundir educação financeira

Os profissionais que atualmente trabalham com gestão de patrimônio de jogadores são unânimes em dizer que há uma resistência dos clubes em difundir conceitos de educação financeira entre os atletas, sendo da base ou já profissionais.

“Os clubes não têm essa preocupação. Ainda existe uma resistência em colocar esse tema como palestra em um grande clube”, conta Marques.

Esse é o exemplo de Luiz Guilherme da Silva Santos, de 13 anos. Ele foi para Curitiba jogar no Atlético Paranaense. Os pais acompanharam e hoje vive com as custas pagas pelo clube e um contrato com a Adidas.

Fernanda Caroline da Silva, mãe do jovem jogador, afirma que o tema de aconselhamento financeiro não fez parte das conversas com o clube ou mesmo com o empresário, que é quem fica responsável pelos contratos – ao completar 14 anos, em maio, Luiz Guilherme deverá assinar um novo contrato com o clube paranaense, dessa vez o de formação.

“Já estamos aqui faz um ano. Acredito que no ano que vem, quando for assinar esse contrato, podem falar algo a respeito desse tema”, diz.

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