Variante Ômicron pode reforçar cenário de inflação persistente com baixo crescimento

Se nova cepa forçar mais lockdowns pelo mundo, bancos centrais podem fazer vista grossa para preços pressionados

Após o pânico tomar conta dos mercados globais na última sexta-feira, 26, os investidores amanheceram um pouco menos pessimistas nessa segunda, 29, com as bolsas mostrando correções após alguns excessos do fim da semana passada.

No meio do caminho, informações preliminares acalmaram os investidores: a mais recente e super transmissível variante do coronavírus, a Ômicron, causaria casos mais leves, em especial entre os vacinados.

Mas nesta terça, dia 30, os mercados voltaram a ficar pessimistas com declarações do CEO da Moderna, que afirmou que as vacinas terão eficácia muito menor contra a nova cepa.

Independente de avaliações feitas no calor dos fatos, a questão é que a situação traz riscos importantes para a economia mundial.

Um deles é que uma nova onda de lockdowns volte a restringir uma parte significativa da atividade econômica global, o que forçaria os bancos centrais pelo mundo a fazerem vista grossa para a inflação em um momento em que se começava a falar em alta de juros nos Estados Unidos e na Europa.

Dessa forma, uma possibilidade é que a Ômicron reforce no médio prazo a temida estagflação — conceito que descreve períodos em que a atividade não cresce ou até cai, mas mesmo assim os preços sobem de forma persistente por problemas de oferta. Neste ano, a retomada sincronizada das principais economias, aliada à crise de energia na China e a quebras de cadeia de fornecimento pelo mundo, colocou os preços sob pressão.

“As cadeias de fornecimento já estão esticadas”, apontou o economista chefe da consultoria Capital Economics, Neil Shearing, em relatório.

“Um aumento relacionado ao vírus em gastos com bens, ou fechamentos de portos, exacerbaria o problema das cadeias de fornecimento, adicionando pressão à inflação de bens. Da mesma forma, uma nova, mais perigosa onda do vírus poderia fazer com que alguns trabalhadores temporariamente saiam da força de trabalho, e poderia reter o retorno de outros trabalhadores, piorando a atual escassez de mão de obra”.

Até o aparecimento da nova cepa, economistas discutiam em que momento o Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) ou o BCE (Banco Central Europeu) começariam a subir os juros ou acelerariam o ritmo de redução de compra de títulos para estimular a economia. Logo após a divulgação da existência da nova variante, os juros futuros nos Estados Unidos passaram a cair.

Como disse o economista-chefe da Necton, André Perfeito, a expectativa é que a nova cepa “faça o trabalho sujo” das autoridades monetárias. “Com o avanço da variante Ômicron, as economias tendem a desacelerar. O ‘trabalho sujo’ de desacelerar a atividade, que seria feito por mais juros, está sendo feito pelo vírus”, apontou.

Do pior ao melhor cenário

Em relatório, economistas do Goldman Sachs calcularam que, no pior cenário, uma nova grande onda de Covid-19 no primeiro trimestre de 2022 poderia fazer a expansão da economia mundial se desacelerar para uma alta de 2% na comparação com o mesmo trimestre de 2021. Isso representaria 2,5 pontos percentuais a menos do que se espera hoje.

No melhor dos cenários, destaca a equipe do banco, o impacto negativo da variante pode ser um falso alarme, sem consequências econômicas mais duradouras.

Diante disso, o banco preferiu não revisar suas projeções para crescimento, inflação e juros: “Dada a gama de possíveis desfechos médicos e econômicos, assim como a possibilidade de um falso alarme, nosso time de economia não está fazendo mudanças relacionadas à Ômicron para crescimento, inflação e política monetária até as probabilidades desses cenários se tornarem mais claras”.

Gênio fora da garrafa

Economistas frisam que, de fato, há muito mais perguntas do que respostas sobre a nova cepa no momento.

“Algumas variantes que inicialmente foram encaradas com preocupação desapareceram da memória sem causar danos maiores. Outras, como a Delta, causaram novas ondas de danos na pandemia”, afirmou Shearing, da Capital Economics.

O economista frisou, por outro lado, que a variante Delta deixou claro o quanto é difícil conter o espalhamento de cepas agressivas do vírus.

“A maior parte dos países restringiu pesadamente as viagens para e da África do Sul”, disse. “Mas isso provavelmente não prevenirá um espalhamento para outros países, particularmente se a nova cepa é tão contagiosa quanto se teme. Casos já foram encontrados em diversos países da Europa, assim como Hong Kong, Austrália, Botswana e África do Sul. O gênio já está fora da garrafa”.

Fernando Ferreira, estrategista chefe e head de research da XP Investimentos, lembra que o simples fato de novas restrições de fronteiras já estarem acontecendo já atrasa o plano de “normalização” da economia global. “Por isso que as ações de companhias aéreas caíram quase 15% na sexta-feira, além do petróleo, que caiu 11%. Por enquanto, esses setores mais impactados são os que sofrem mais.”

Ele ressaltou que ações de outros setores podem ser impactadas em caso de restrições mais drásticas acontecerem no futuro. “Caso tenhamos medidas restritivas mais drásticas sendo anunciadas no futuro (como o fechamento de lojas e espaços públicos), outros setores também poderão ser afetados, como os setores de serviços, por exemplo shoppings e varejo, como vimos ao longo de 2020.”

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