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Por que essa gestora de R$ 2,3 bilhões em ativos acredita que é hora de investir em construtoras

Enquanto Banco Central sinaliza alta de juros, o que prejudica financiamento de imóveis, Meraki vê um outro cenário se desenhando, com Cyrela e MRV na carteira

Até três meses atrás, parecia improvável, para a maioria dos economistas do mercado financeiro, que a taxa básica de juros do Brasil, a Selic, voltaria tão cedo ao patamar de dois dígitos, depois de ter chegado a 2% ao ano durante a pandemia, o menor nível da história. 

De lá para cá, porém, a inflação tem surpreendido para cima a cada mês e o Banco Central (BC) se viu obrigado a agir. A taxa está em 9,25% ao ano e a autoridade monetária já deixou claro que uma nova alta de 1,5 ponto porcentual deve acontecer na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para fevereiro e que deve levar a Selic para 10,75%. 

No mercado de ações, as empresas do setor imobiliário acabam sendo um alvo natural para quem deseja se desfazer de posições. Se os juros estão mais altos e devem continuar a subir, a demanda por financiamento de imóveis tende a sofrer um baque. 

A Meraki Capital, porém, prefere encarar de outra forma. A asset, que nasceu em fevereiro do ano passado, está aumentando sua posição em duas das empresas do setor, a Cyrela (CYRE3) e a MRV (MRVE3). “Achamos que os juros estão muito errados”, afirmou, à Agência TradeMap, o sócio e diretor de investimentos da Meraki, Roberto Reis, que comanda um time que administra R$ 2,3 bilhões em ativos. 

Para ele, a inflação que gerou o aumento dos juros é um fenômeno global e não há muito o que o BC possa fazer para combatê-la. Além disso, ele lembra, desde que passou a ser independente, a autoridade monetária também tem de se preocupar com o emprego. “Em algum momento do meio do ano que vem, talvez o BC tenha que voltar a cortar juros, porque a economia vai colapsar”, afirma. 

Pelo mais recente relatório Focus, do Banco Central, a expectativa do mercado financeiro é de Selic em 11,50% em dezembro de 2022, com queda para o patamar de 8,0% apenas ao fim de 2023.

Cyrela e MRV são algumas das empresas que a Meraki entende estarem baratas. Em 12 meses, a primeira acumula queda de 48,98%, enquanto a segunda tem recuo de 41,19%.

Se está disposto a ir na contramão do que o mercado pensa para os juros, a Meraki prefere ser cautelosa em relação à companhia que fez o IPO mais aguardado do ano em 2021, o Nubank. “O modelo do Nubank é muito legal, mas fica caro quando comparamos com Inter e Pan, que são negociados a umã fração dele”, diz. 

O gestor também falou sobre cenário fiscal, eleições e revelou as principais convicções da carteira da Meraki. Confira a entrevista completa a seguir.

Qual a estratégia para o portfólio da Meraki para 2022? 

Continuamos achando a Bolsa muito barata, ainda mais agora, que caiu mais. O juro brasileiro, principalmente o longo, está muito estressado. Achamos que ele deveria se acalmar um pouco. Quanto ao dólar, temos um pouco de dificuldade para saber se está barato ou não, porque há argumentos para os dois lados. Se você olha a balança de pagamentos, pode concluir que o real poderia estar mais apreciado. Se olha diferencial de crescimento econômico, o dólar deveria estar mais apreciado. Então, vemos muitas oportunidades na Bolsa, nos juros longos, que se conversam, enquanto o dólar pode estar em um nível ok. Temos adicionado risco em Bolsa no Brasil. 

E em relação ao cenário externo? 

Estamos mais preocupados. Foi importante o Jerome Powell [presidente do Federal Reserve, o banco central dos EUA] ter falado sobre a velocidade da retirada de estímulos e da alta de juros para o ano que vem, e como isso vai impactar o mercado americano. A Bolsa americana vem subindo bastante há muito tempo e agora vemos o banco central mudando um pouco o discurso e a prática.

Em vez de injetar a liquidez, vai começar a tirar e começar a subir juros. E entendemos que isso poderia ser um gatilho de correção na bolsa americana. Se isso acontecer, o Brasil não ficará impune. Adicionamos muito [no portfólio] a Bolsa local, porque vemos muita coisa barata, mas fizemos proteções, com puts [opções de venda] de S&P 500 no portfólio. 

E quais são as empresas brasileiras com maior participação no portfólio? 

Entre as nossas principais posições, continuamos gostando muito de Multiplan, Banco Pan, Cosan, que já tínhamos na carteira. Gostamos também de Vale e Suzano. E adicionamos um pouco de construtoras — Cyrela e MRV — porque achamos que os juros estão muito errados. 

A Meraki aposta que os juros vão cair e beneficiar o mercado imobiliário? 

A inflação é um fenômeno global, então há um certo limite sobre até que ponto o Banco Central consegue combater essa inflação com juros. Ficamos um pouco surpresos com o BC já telegrafando que vai subir mais 1,5 ponto percentual na próxima reunião, até porque temos visto que a inflação parece ter chegado ao patamar máximo. Parece haver sinais de arrefecimento, e a atividade está muito ruim.

Esse remédio que o BC está dando agora, de 1,5 p.p., vai bater na economia. E, assim como o BC exagerou nos cortes da Selic, quando reduziu para 2%, pode estar exagerando de novo. Quando olhamos para a China, neste mês de dezembro, eles já voltaram a afrouxar de novo nos juros, porque viram que a economia estava enfraquecendo demais. 

Vai acontecer o mesmo por aqui? 

Com o BC nesse ritmo, em algum momento do meio do ano que vem, talvez ele tenha que voltar a cortar juros, porque a economia vai colapsar. Sabemos que é muito difícil [tocar a política monetária], mas o cenário está muito complicado. Importante lembrar que esse BC atual, independente, tem dois mandatos: um é combater inflação e o outro é gerar emprego. Não vimos nenhuma menção sobre emprego no último comunicado a economia está muito mal. Gosto muito do Roberto Campos Neto (presidente do BC), ele é muito competente, mas acho que o BC terá de mudar um pouco o discurso para adequar isso. 

E qual a tese por trás do Banco Pan? É uma instituição voltada para a baixa renda e 2022 será um ano ainda mais difícil para a economia. 

O Banco Pan está indo numa trajetória muito forte, seja no crescimento da base de clientes, que já cresceu muito em 2020, seja na inovação de produtos, como crédito com garantia de FGTS e outras coisas via aplicativo, que têm melhorado muito o resultado do banco e deve gerar crescimento bem forte nos lucros.

O mercado tem uma preocupação grande na parte de crédito, não só no Pan, mas o que nos deixa mais tranquilos é que 70% da carteira de crédito tem garantia. Então o banco teria muito pouco ou quase nada de risco relacionado a esse crédito. E o outros 30% têm ciclo de vida menor, com parcelas amortizando desde o começo, e com percentual de entrada mais forte, abatendo prestações. 

E o cenário econômico? 

Claro que preocupa, mas o que vemos de forma geral é que a “avenida Faria Lima” está mais preocupada com isso do que os próprios agentes econômicos. Quando você conversa com os bancos, como Itaú, Bradesco, Pan e até com o BTG, que não dá crédito, mas entende muito do negócio, eles estão muito confortáveis com os impactos do aperto monetário na ótica de crédito da indústria financeira. No crédito para grandes empresas, vemos que as companhias estão muito capitalizadas. Há um endividamento maior por parte das famílias, mas o prazo de crédito para pessoa física é sempre menor, então rapidamente isso se ajusta. 

O mercado está avaliando mal, então? 

Há certo exagero na precificação de várias coisas, na Bolsa inteira. Algumas empresas colapsaram e, para essas, o cenário macroeconômico é destruidor. Mas, para outras, o cenário macroeconômico passa imune, porque o mercado acha que elas são resilientes em qualquer cenário, como a Petz, para a qual tempos uma posição short (quando se aposta na queda de uma ação). 

O que a Meraki está vendo na Petz? 

Adoramos a empresa e achamos bem bacana sua evolução, mas a ação está sendo negociada a 60 vezes o preço sobre o lucro, enquanto a Raia Drogasil, talvez a melhor farmácia listada, é negociada a 35 vezes. Então, o mercado atribui que as pessoas vão continuar gastando mais no segmento pet, e que toda a crise de piora para o consumidor não vai abater o setor. A tese vale para Renner, mas não para pet shop. Não digo que o consumidor vai deixar de comprar ração para o seu cachorro, mas se você economiza em vestuário, saúde e lazer, também vai economizar com seu pet. Então temos visto uma arbitragem muito grande de sensações no mercado. Há uma falsa resiliência que não bateu no preço. 

Vale e Cosan são posições mais defensivas em períodos de crise? 

De commodities, temos Vale, Cosan e Suzano. Nesse momento de eleição, principalmente Vale e Suzano equilibram bem o portfólio, por serem dolarizadas e não dependederem tanto do cenário macroeconômico no Brasil. Elas também sofreram muito, em parte pela baixa da Bolsa como um todo, e em parte porque, no meio do caminho, teve a queda das commodities e a questão da Evergrande na China. 

A Meraki também tinha uma posição em Inter. Continua sendo uma aposta? 

É uma posição menor do que Pan, mas até aumentamos, depois dessa queda recente. 

Qual a perspectiva da gestora para os IPOs no ano que vem? 

O mercado está totalmente fechado para IPOs, ainda mais com tanta coisa barata na Bolsa. Quando um gestor compra a ação de uma empresa, ele procura uma companhia de um setor que conhece, uma oportunidade legal, em um setor que cresce, e espera que a empresa tenha um histórico grande, pra ver como se comportou em bons e maus momentos da economia.

O IPO traz o incerto. Várias empresas vieram com uma tese de crescimento na última safra de IPOs, sem lucro, mas com uma expectativa de lucrar muito. E houve certa euforia. Empresas tidas como tech vieram com a proposta de fazer no Brasil o que funciona muito bem na California, mas é bem diferente ser uma empresa tech nos EUA e aqui, desde a ciência, a mão de obra capacitada, o acesso a capital e a vantagem competitiva.

As empresas que têm vantagem no Brasil, na minha opinião, são as que têm o mercado de consumo na mão, as que apostam no setor financeiro, como os bancos digitais que estão entrando na população, ou as de commodities.

A Meraki comprou ações do Nubank? 

Acabamos entrando no IPO, recebemos poucas ações, mas não fazia sentido carregar aquela posição que era muito pequena no portfólio e vendemos. Achamos Nubank caro, mas com um modelo de negócios muito interessante. Não dá para comparar com bancos tradicionais brasileiros, não faz sentido. O modelo é muito legal, mas fica caro quando comparamos com Inter e Pan, que são negociados a uma fração do que o Nubank é negociado. Preferimos carregar essas instituições nessas teses de expansão do setor financeiro, mas o modelo do Nubank é muito vencedor e inteligente. De fato, vai dar trabalho para os grandes bancos. 

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