Logo-Agência-TradeMap
Logo-Agência-TradeMap

Categorias:

Para Eurasia, inflação será o fiel da balança nas eleições

Aumento de preços mais persistente pode elevar vantagem de Lula na disputa presidencial, diz consultoria

Foto: rafapress / Shutterstock.com

A corrida pela presidência da República será decidida somente em outubro, mas é bom os investidores se prepararem.

Embora haja consenso de que a disputa ocorrerá entre o atual ocupante do cargo, Jair Bolsonaro (PL), e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o resultado das urnas pode levar a caminhos bem diferentes, tornando as eleições o principal risco ao cenário econômico brasileiro neste ano, segundo o diretor da consultoria de risco político Eurasia no Brasil, Silvio Cascione.

“Embora muita gente no mercado tenha acreditado que o resultado da eleição não vai mudar muito as perspectivas da economia, o fato é que são agendas bem distintas”, disse ele, em entrevista exclusiva ao TradeMap.

A depender do vencedor, por exemplo, a Petrobras (PETR4) terá mais ou menos chances de ser privatizada. A Eletrobras (ELET6), na visão da Eurasia, deve passar para o controle privado ainda este ano e ficaria de fora dessa conta.

Cascione ressalta que Lula é o candidato com mais chances de vencer – o petista tem 70% de chance de ganhar na projeção mais recente da Eurasia -, mesmo com o recente aumento da popularidade de Bolsonaro nas pesquisas. A disputa, porém, deve ser apertada, e pode ser diretamente influenciada por uma variável econômica – a inflação.

“O risco para o presidente é que a inflação acelere para além das expectativas”, diz Cascione. Segundo ele, se a população continuar perdendo poder de compra, isso vai desgastar Bolsonaro.

Os dados mais recentes apontam que, em março, a inflação ao consumidor seguiu forte e avançou a um ritmo acima do esperado pelo mercado, em meio ao reajuste dos preços dos combustíveis pela Petrobras e à disparada nos preços dos alimentos.

Leia a seguir a íntegra da entrevista.

O que pode alterar mais as perspectivas para a economia brasileira: a inflação ou a eleição?

A eleição, mas a inflação vai ser uma variável muito importante para o resultado da eleição. Uma inflação alta prejudica a chance de reeleição do Bolsonaro, favorece a esquerda e favorece o Lula.

Embora muita gente no mercado tenha acreditado que o resultado da eleição não vai mudar muito as perspectivas da economia, o fato é que são agendas bem distintas. As condições econômicas nos próximos anos vão ser diferentes dependendo de quem ganhar a eleição.

Você tem, do lado da reeleição do Bolsonaro, a continuidade de uma plataforma de privatizações – ou de tentativa de privatizações – e o esforço de maior controle de gastos. Do lado do Lula, há um programa econômico que vai levar a uma interferência maior em estatais e a uma expansão dos gastos e do investimento público.

Então, para os investidores, dependendo dos setores que estão olhando e da trajetória da dívida, vai ser importante se posicionar levando em conta as diferenças desses dois programas.

A partir de qual ponto a inflação começaria a favorecer um ou outro candidato?

É mais importante olhar para tendência da inflação do que para o nível simplesmente, porque os salários estão sendo recompostos este ano.

No ano passado, estávamos com perspectiva de inflação de 4% a 6%, e ela terminou o ano em 11%. As pessoas estavam tendo reajustes pequenos de salário, ou nem estavam tendo, e de repente a inflação subiu. Esse foi um choque que tirou muito a popularidade do presidente.

Neste ano, o salário-mínimo subiu 10% e os dissídios estão recompondo as perdas salariais. O que importa agora para o restante do ano é em qual a velocidade a inflação continuará a subir.

Uma inflação que fechasse o ano em 5% ou 6% – o que não vai mais acontecer – seria um quadro até razoável para o presidente, porque ela seria alta no primeiro semestre, mas teria um segundo semestre bem-comportado. As pessoas sentiriam bem menos o aumento de preço do que no ano anterior.

O risco para o presidente é que a inflação acelere para além das expectativas. Tem casas estimando acima de 8% e tem gente que acha que, se mantiver a tendência de alta, pode ser que feche o ano acima de 10%. Se passar o período dos dissídios e a população continuar perdendo poder de compra, isso vai desgastar o presidente, e bem no meio do período eleitoral.

É claro que a inflação anual importa, mas é mais interessante olhar para a tendência, em que momento começa a desacelerar a inflação mensal, em que momento começa a dar mais sossego para o consumidor.

Se isso vem mais cedo, no primeiro semestre, é bom para o Bolsonaro. Se não, as chances dele de reeleição ficam prejudicadas.

Existe alguma chance real de um candidato da chamada terceira via disputar o segundo turno das eleições presidenciais?

O Lula é favorito, mas a eleição vai ser apertada. As pesquisas muitas vezes vão mostrar o Bolsonaro na frente.

A terceira via tem poucas chances – independentemente de quem seja o candidato. Ela pode ir ao segundo turno se a popularidade de Bolsonaro cair antes da eleição, mas é o contrário que vem acontecendo.

Ainda assim, Lula é favorito porque a popularidade de Bolsonaro vem subindo, mas ainda é relativamente baixa. É uma eleição que tem sentimento maior de mudança e na qual o eleitor dá muita ênfase a temas econômicas, em que o PT tem mais vantagem.

O governo atual é favorável a privatizações, enquanto o ex-presidente Lula tem indicado ser contrário à venda das estatais. O que a Eurasia espera para Petrobras e Eletrobras?

A Eletrobras muito provavelmente vai ser privatizada este ano. A chance de isso não acontecer em julho ou agosto é bem baixa.

Claro, ainda depende de uma decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) e é preciso ver se não vai acontecer alguma surpresa, mas isso parece bem improvável dada a posição que a maioria dos ministros do TCU já manifestou. Uma vez concluída a privatização da Eletrobras, vai ser praticamente irreversível pelo próximo governo.

No caso da Petrobras, a história é diferente.

O governo tem tentado ganhar mais ingerência na gestão da Petrobras, mas ainda tem interesse e vai defender a campanha de privatização da empresa. Há mais interesse dentro do Congresso em vender o controle da companhia e em levantar recursos para diminuir a volatilidade dos preços de combustíveis e para fazer política social. É uma campanha que o governo Bolsonaro vai trazer durante as eleições.

E do outro lado, com Lula, o que se tem é o oposto disso. É a visão de uma Petrobras que deve ser empresa verticalizada, que não foca só em exploração e em produção, mas em refino, gás natural, e que tem papel importante no plano estratégico do governo como uma empresa que precisa ocupar espaço maior na indução do investimento.

O cenário econômico do Brasil conta com juros altos, inflação elevada e baixo crescimento. No entanto, há uma forte entrada de capital estrangeiro no país. O que esses investidores estão enxergando por aqui?

Conversando com muitos investidores, percebemos ainda um pessimismo quanto à trajetória de longo prazo do Brasil. Ainda é uma história que não inspira muita confiança em termos de crescimento de longo prazo, de produtividade. E a dívida segue bastante alta.

Mas é uma região produtora de commodities que se beneficia do cenário internacional de hoje e que está distante do conflito no Leste Europeu. Muitos reorientaram investimentos e saíram das regiões mais afetadas pelo conflito, trazendo recursos não só para o Brasil como para a América Latina.

Muitos investidores viram que os ativos brasileiros tinham perdido muito valor no ano passado, que houve certo exagero quanto ao regime fiscal. A dívida e o padrão fiscal brasileiros são complicados, mas os preços estavam refletindo um cenário muito pior, então havia espaço, na opinião de muitos, para uma correção.

O que houve nesses últimos meses é um movimento mais tático porque o Brasil estava muito depreciado em relação a outros emergentes.

O juro alto facilita este processo. A gente ouve de muitos investidores que, quando a Selic sobe de maneira tão agressiva, mais rápido que em outros países, vai ficando mais difícil – ou mais caro – apostar contra o Brasil. Isso ajudou a reforçar o fluxo de investimento estrangeiro nestes últimos meses.

A entrada de dólares está contribuindo para o real se fortalecer. Até quando isso deve continuar?

Talvez até possa seguir por mais um tempo com essa dinâmica, mas para de fato enxergar um ciclo mais sustentado de investimentos, e otimismo com o Brasil, precisa haver perspectiva de reformas estruturantes que promovam um crescimento econômico mais sustentado.

A gente nao faz cenários de mercado, então não posso dar uma aposta quanto a isso. Pelo menos do ponto de vista político, as eleições até agora não parecem estar fazendo muito preço, mas isso tende a mudar durante a campanha, porque o cenário vai ficar mais incerto.

As simulações das pesquisas vão mostrar um cenário mais apertado e as diferenças entre os candidatos vão começar a ficar mais evidentes. Então a eleição tende a fazer mais barulho nos próximos meses. Não dá para dizer que isso necessariamente vai levar a uma reversão deste quadro mais favorável, mas tende a levar.

Compartilhe:

Mais sobre:

Leia também:

Mais lidas da semana

Uma newsletter quinzenal e gratuita que te atualiza em 5 minutos sobre as principais notícias do mercado financeiro.