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Incertezas com PEC e indefinição de ministro derrubam Bolsa na semana – e turbulência deve continuar

Ibovespa recua mais de 3% ao longo da semana, enquanto dólar volta a um patamar próximo de R$ 5,40

Ana Julia Mezzadri

Ana Julia Mezzadri

Foto: Shutterstock/Alf Ribeiro

Três semanas se passaram desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como novo presidente da República e o mercado ainda encontra dificuldades para digerir o que tem sido sinalizado pela equipe do petista que cuida da transição para o novo governo, chefiada pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB).

A desconfiança dos investidores com a volta de Lula foi especialmente forte nesta semana, marcada por uma demonstração de desdém feita pelo presidente eleito em relação ao mercado, quando ele insinuou, durante participação na COP-27, no Egito, que não estava preocupado com a reação de investidores aos anúncios da equipe de transição. “Vai cair a bolsa, subir o dólar? Paciência”, disse o petista.

A declaração repercutiu tanto que gerou até uma carta em defesa do mercado assinada pelos economistas Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan.

A alfinetada do petista se somou a duas perguntas que ainda não foram respondidas e geram inquietação no mercado: quem será o ministro da Fazenda do novo governo e como o governo vai bancar tudo o que tem prometido sem tomar medidas consideradas irresponsáveis do ponto de vista fiscal?

Não por acaso, o Ibovespa caminha para terminar a semana com um tombo de mais de 3%, com os juros futuros em alta e o dólar de volta a um patamar próximo de R$ 5,40.

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Enquanto Lula faz mistério sobre quem será seu ministro da Fazenda, o mercado faz contas para entender a solução apresentada até então para o impasse do Auxílio Brasil, que o governo quer manter em R$ 600 mensais em 2023, embora a regra atual indique um retorno aos R$ 400 após o fim do ano.

Até o momento, a equipe de transição sinalizou com a chamada PEC (Proposta de emenda à Constituição) da Transição, que quer tirar as despesas com o Auxílio Brasil do teto de gastos, uma manobra para que o valor de R$ 600 seja mantido em 2023 sem furar o limite de gastos do teto.

A expectativa de que o impacto fiscal da PEC de Transição passe de cerca de R$ 100 bilhões para aproximadamente R$ 200 bilhões azedou o clima na Bolsa e fez o Ibovespa amargar três dias seguidos de baixa nesta semana.

Com base nas últimas notícias, o cenário mais provável parece ser o de um pacote de R$ 175 bilhões em gastos extras – o que, na visão de Eduardo Magoso, gestor de renda fixa da Garde, seria exagerado, principalmente caso a duração da licença para gastar mais seja de mais de um ano, como vem sendo sinalizado nos últimos dias.

Esse possível cenário estressou a curva de juros brasileira, valorizou o dólar e derrubou os ativos considerados sensíveis aos juros de quarta-feira (16) até esta sexta-feira (18). “Mais gasto fiscal significa mais dívida, o que impacta negativamente as taxas de juros e os lucros das empresas”, afirma a corretora Warren, em relatório enviado ao mercado.

“Com o perfil da dívida piorando, em teoria os investidores pedem mais prêmio de risco para financiar este déficit. Então, no final, o grande problema é que a curva de juros irá subir, assim como a inflação”, explica Magoso.

Para Mauricio Ferraz, gestor de renda fixa da Kínitro Capital, o mercado passou a ver a possibilidade de uma mudança significativa nos gastos públicos, sem uma ancoragem fiscal. Além disso, a falta de um ministro da Fazenda confirmado aumenta o cenário de incerteza e volatilidade.

“O mercado remete essas sinalizações de aumento nos gastos ao governo Dilma [Rousseff], último momento que o PT esteve na presidência. Os investidores ficam com medo daquele modelo econômico de incentivar a economia crescer por meio de gastos públicos”, comenta Ferraz.

Juros em disparada

Em relação aos juros, o mercado começou a vislumbrar uma possibilidade de a Selic se manter por mais tempo na faixa atual, de 13,75% ao ano, ou até mesmo voltar a subir. Até então, a expectativa era que a taxa básica de juros começasse a recuar no primeiro semestre do ano que vem.

Conforme explica Magoso, da Garde, caso se confirme a possibilidade de os próximos quatro anos serem um período de R$ 175 bilhões por ano a mais em gastos, com um orçamento mais gordo e um estado maior, não haverá espaço para cortar os juros.

De acordo com dados disponíveis na plataforma do TradeMap, as taxas dos contratos de DI para janeiro de 2024, 2026 e 2028 estavam em 14,28%, 13,51% e 13,34% na sexta-feira, mostrando avanços de 0,25 p.p. (ponto percentual), 0,31 p.p. e 0,25 p.p, respectivamente.

O gestor da Kínitro afirma que é difícil prever se esse movimento de alta irá se manter. “Não sabemos ainda o que o governo quer, ainda existem pontos que não estão claros na PEC. Somado a isso, não temos um ministro da Fazenda. Fica difícil saber se os DIs estão caros ou baratos”, diz.

Magoso também acredita ser difícil saber se a reação do mercado nos últimos dias foi exagerada ou não. Com o aumento da incerteza, as perspectivas de cortes foram retiradas da curva de juros, enquanto os prêmios de risco entraram.

Este, na avaliação do gestor, é o movimento correto diante das incertezas no cenário. Como as apostas anteriores indicavam um início de um ciclo de cortes na taxa de juros, em uma postura fiscalista do governo de Lula e na escolha de um ministro voltado para o mercado, como Henrique Meirelles, muitos investidores montaram posição em juros. Agora, o movimento foi de zerar as posições.

“Não dá para saber se é exagerado ou não porque não sabemos o tamanho da PEC”, explica Magoso. “Se for uma PEC gigante e o mandatário da economia inventar coisas novas para gerar mais déficit, aí não foi exagerado. Mas, se for o contrário, realmente o juro está errado e vai precisar ceder um pouco”, completa.

Então, na avaliação do gestor, o principal problema, neste momento, é justamente a incerteza – e, enquanto não houver maiores definições, o mercado deve seguir reagindo às manchetes. “Acho que, no final, o grande chamariz será qual vai ser o tamanho do cheque, o prazo e o ministro”, afirma.

Na visão de Magoso, tomando como base a reação do mercado às notícias recentes, o que está sendo precificado é um déficit entre R$ 110 bilhões e R$ 130 bilhões para os próximos dois anos. Na prática, isso significa que a confirmação de um pacote com mais ou menos gastos, por um prazo maior ou menor, pode mexer com os preços dos ativos daqui para frente.

Em um prazo mais longo, quando o tamanho e o prazo do pacote e o ministro da Fazenda forem conhecidos, o que estará no radar serão as medidas tomadas para financiar o aumento das despesas.

Ministério nebuloso

Em relação ao ministério, nomes como o do ex-ministro da Educação Fernando Haddad e de Geraldo Alckmin voltaram a figurar entre as principais apostas para assumir o comando da pasta.

Somado a isso, o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, afirmou nesta sexta-feira que a perspectiva da comitiva de Lula que participa da COP-27 é que Haddad seja nomeado ao cargo.

Ferraz, da Kínitro, acredita que, caso Haddad seja confirmado como novo ministro, a reação do mercado pode ser bem negativa, mas dependerá do plano econômico apresentado.

“O mercado não vai dar o benefício da dúvida para alguém como o Haddad, pois os investidores acreditam que ele não representa as melhores ideias para a pasta”, complementa Ferraz.

Magoso, da Garde, tem a mesma opinião: “O que se tem certo é que o mercado não gosta do Haddad para ministro. É isso que o movimento dos preços está dizendo”, afirma.

O gestor também concorda que, caso o Haddad seja nomeado, a reação inicial deve ser negativa. Em um segundo momento, a expectativa de Magoso é que o mercado passe a analisar de fato a postura do novo ministro, além dos demais componentes da equipe econômica.

As baixas da Bolsa

Como o risco fiscal mexeu com os juros, as maiores baixas vistas no Ibovespa desde quarta-feira ficaram com companhias ligadas à economia doméstica, mais sensíveis à inflação e ao patamar da Selic.

Na visão de Alexandre Brito, sócio da Finacap Investimentos, a PEC foi uma “materialização do que o mercado não queria”, tendo seus reflexos na Bolsa, com alta na curva de juros e no dólar.

No caso das varejistas e construtoras, a possibilidade de manutenção dos juros em patamar elevado por mais tempo bate direto nas ações. As ações do Via (VIIA3), por exemplo, caíram 9,43% na semana que passou, enquanto as da MRV (MRVE3) recuaram 8,67%.

Para Vitorio Galindo, analista e head de análise fundamentalista da Quantzed, ninguém quer emprestar dinheiro para um devedor que pode ter problemas para pagar essa dívida lá na frente, então o mercado acaba cobrando mais por essa dívida. “Isso reflete diretamente no varejo e na construção civil, dois setores muito atrelados à inflação e a juros. O mercado está ajustando o valor desses ativos para um novo patamar”, afirma.

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