Depois de priorizar o crescimento e ter seus resultados pressionados por fortes investimentos, principalmente em iniciativas de marketing, a plataforma de contratação de serviços GetNinjas (NINJ3) deve voltar a entregar lucros em meados de 2023, de acordo com o CEO da companhia, Eduardo L’Hotellier.
O foco em crescimento em detrimento da rentabilidade não é de hoje, e tem afetado o balanço da empresa desde sua abertura de capital, em maio de 2021.
Os prejuízos recorrentes têm se refletido no valor das ações, pressionado também por uma tendência de mercado, com queda nos papéis de tecnologia como um todo. Desde o IPO, as ações da GetNinjas acumulam desvalorização de 79%.
Performance das ações da GetNinjas e do Ibovespa nos últimos 12 meses

Nos últimos trimestres, porém, a companhia iniciou um movimento de reduzir seus investimentos para entregar lucros, o que também se reflete nos números. No quarto trimestre do ano passado, o prejuízo anotado pela GetNinjas foi de R$ 6,9 milhões, uma diminuição de 35% em relação às perdas do terceiro trimestre, de R$ 10,7 milhões.
“Conforme planejado no IPO, investimos no crescimento e no desenvolvimento das estruturas. Os resultados de 2021 refletem a aceleração desses investimentos, mas é importante destacar que desde o terceiro trimestre estamos reduzindo esse déficit e esperamos continuar melhorando essa relação”, diz o relatório de resultados do quarto trimestre da companhia.
Nesse sentido, a visão do CEO é que, conforme os investimentos passados começam a dar mais retorno e a companhia tira o pé do acelerador em termos de gastos, a GetNinjas caminhe para entregar lucros em meados de 2023.
Confira a seguir a entrevista completa com Eduardo L’Hotellier, CEO da GetNinjas.
Quais são os destaques dos resultados do quarto trimestre e de 2021 como um todo?
No quarto trimestre apresentamos crescimento ano a ano, principalmente porque conseguimos diminuir bastante o investimento em marketing em relação ao trimestre anterior, melhorando a nossa margem. Conseguimos otimizar investimentos que havíamos acelerado logo depois do IPO. Esse definitivamente foi o principal destaque. Avisamos na divulgação do terceiro trimestre que estávamos fazendo esse movimento, de calibrar os investimentos. E nessa divulgação alinhamos com o mercado que em 2022 iremos conseguir equilibrar esses investimentos e continuar crescendo, mas com uma margem maior.
O que vai permitir essa mudança?
Alguns fatores contribuíram para isso. Primeiro que o capital está mais caro, fazendo com que o nosso caixa de R$ 290 milhões renda mais. A ameaça de outros entrantes nesse mercado diminuiu consideravelmente. Vemos alguns movimentos, mas bem mais tímidos. Apesar de termos gerado prejuízo nesse trimestre, todo o capital que alocamos em marketing está produzindo e vai continuar produzindo retorno. Claro que o objetivo de médio a longo prazo de qualquer companhia é gerar lucro, mas esse investimento em marketing visa ter um crescimento maior, e vemos esses usuários continuando a utilizar a plataforma. Essa é a lógica do investimento que fizemos e iremos continuar fazendo.
Há alguma previsão sobre quando a empresa deve entregar lucros?
Acreditamos que em meados de 2023 a empresa irá voltar a ser lucrativa, como foi em 2020, mas agora em outro patamar. E teremos a opção de continuar com o pé no acelerador ou reverter para esse lucro na companhia. Outro ponto importante é que a companhia abriu capital recentemente. Diversas áreas que não existiam precisaram ser criadas, como todo o time de RI (Relações com o Investidor). Também investimos muito em segurança da informação. Tivemos investimentos neste ano que não irão continuar.
Com a inflação, que pressiona a renda, a demanda por serviços pode diminuir?
Temos dois tipos de serviços. Uma parte é de serviços emergenciais, que são descorrelacionados com a atividade econômica, como reparos hidráulicos, elétricos… Esses serviços sentem pouquíssima influência da inflação. Não revelamos o percentual exato, mas esse tipo de serviços é um percentual relevante da plataforma. Uma segunda parte são serviços que podem ser discricionários, como um personal trainer, um fotógrafo para casamento ou um professor de inglês. Esses são serviços que podem ou não ser contratados, e a recorrência de contratação também varia conforme a atividade econômica. De fato, uma inflação mais alta faz com que o mercado como um todo diminua.
E o que a empresa pode fazer para amenizar esse impacto?
Hoje, o GetNinjas tem 0,1% do mercado, e o nosso principal concorrente é o boca a boca, a indicação. A vantagem do GetNinjas é a comparação de preços, porque o cliente recebe diferentes orçamentos. Então, em uma situação de pressão econômica, esse cliente que ainda deseja contratar um serviço discricionário vai pesquisar mais e encontrar o GetNinjas. Estamos no mercado desde 2011 e tivemos crescimento todos os anos, mas em momentos de crise crescemos ainda mais, porque as pessoas procuraram ainda mais a comparação. Então não acreditamos que o cenário de inflação terá um efeito negativo no negócio.
Mas e a ação da empresa?
Na ação, aí sim. É uma ação que tem previsão de lucro futuro, que sofre uma baixa um pouco maior porque a taxa de desconto aumenta. Todavia a empresa não tem dívida. Com juros altos, nosso caixa rende mais. Com o caixa atual teremos aproximadamente R$ 30 milhões de receita financeira neste ano, com risco muito baixo. E acreditamos que, em algum momento, os juros irão retornar a um nível menor e a ação vai começar a ser reprecificada a um outro patamar.
Outro indicador ainda negativo é o desemprego, que segue em alta. Isso vem aumentando o número de profissionais cadastrados?
Sim. Com mais profissionais cadastrados temos mais comparação de preço. Com mais comparação de preço, a vantagem do GetNinjas em relação à indicação fica maior. Foi esse fator também que fez atingirmos nosso recorde de profissionais cadastrados neste ano (no quarto trimestre de 2021, a GetNinjas tinha mais de 4 milhões de profissionais cadastrados). Tivemos mais brasileiros procurando serviços de freelancer, ou porque ficaram desempregados, ou porque, com medo de ficar desempregados, procuraram renda extra.
Quais são as estratégias para manter esses novos profissionais quando o mercado de trabalho começar a melhorar?
O número de profissionais disponíveis pode variar conforme a empregabilidade, mas temos uma economia muito forte de serviços. É muito comum a classe média brasileira contratar diaristas, babás, pedreiros… E se temos uma plataforma que dá renda para esse profissional, renda muitas vezes maior do que ele teria em um emprego formal, vamos conseguir manter. Mais do que ferramentas de pagamento, agendamento e gestão, e parcerias que temos, tanto em serviços bancários quanto em descontos para compras de produtos, o negócio só para de pé se o profissional estiver ganhando dinheiro. Outro ponto de atenção aqui: o GetNinjas tem mais de 500 categorias. Desde pintores, personal trainers, psicólogos, advogados, assistência técnica… É muito amplo. E, por isso, temos menos choque de oferta e demanda. Nossa tese é que empresas duradouras precisam ter uma boa horizontalidade e cobrir diferentes mercados.
Há alguns dias, a IguanaFix, plataforma de serviços de montagem de móveis, foi comprada pela MadeiraMadeira. Vocês estão vendo mais varejistas apostando na internalização deste tipo de serviço? Isso pode ser uma concorrência?
Montagem de móvel é uma parcela muito pequena do que fazemos. E a maior parte da montagem de móveis que fazemos é em mudanças. Eles fazem apenas móveis novos que eles entregam. Então não vemos como um concorrente. Vemos outras varejistas internalizando montagem de móveis, instalação de TV e instalação de ar condicionado. Mas esse mercado é menos de 3% da nossa receita. Se tiver um impacto no GetNinjas, será nessas categorias.
Vocês têm olhado para aquisições?
Sim. Estamos esperando o gap entre os mercados público e privado fechar um pouco. Acreditamos que as empresas públicas, e o GetNinjas especificamente, estão sendo negociadas a níveis bem menores do que algumas empresas privadas. E acreditamos que remunerar esses empreendedores com ações seja a melhor ferramenta de alinhamento. Então iremos esperar esse gap diminuir, a nossa ação se valorizar, para fazermos operações mais relevantes. Vamos continuar a crescer, mas não vamos crescer a qualquer custo. Não vamos crescer colocando em risco a viabilidade econômica da companhia. Temos uma dominância grande no nosso setor, e ameaças como essas são em pequenas partes do negócio, então podemos nos dar o luxo de controlar o nosso crescimento de forma a trazer rentabilidade.