As incertezas com os rumos da política fiscal brasileira após 2023 e a taxa de juros no maior patamar em quase seis anos deram um novo fôlego para a captação de fundos de renda fixa em agosto.
Dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) divulgados nesta quinta-feira (8) mostram que esta modalidade de investimento encerrou o mês com captação líquida de R$ 18,5 bilhões, o maior saldo desde março.
Os fundos atrelados à renda fixa foram em agosto os protagonistas no desempenho da indústria, que encerrou o mês passado com uma R$ 3,6 bilhões mais aportes que resgates.
Os fundos de renda fixa são a classe mais representativa da indústria, com 39% do patrimônio dos fundos brasileiros.
Na contramão, opções expostas a ativos de risco continuaram registrando a debandada de investidores – ainda que em menor intensidade em relação aos meses anteriores.
Os fundos de ações tiveram o pior desempenho do setor, com resgate líquido de R$ 5,5 bilhões em agosto. Os fundos multimercado, que podem aplicar os recursos em ativos de renda fixa e variável, também ficaram no vermelho, com saldo negativo de R$ 1,8 bilhão.
Confira a seguir o desempenho das principais classes da indústria de fundos brasileira em agosto, no ano e em 12 meses.
Maior retorno com menos risco
Rodrigo Knudsen, gestor da Empiricus Investimentos, afirma que os investidores continuaram migrando de opções de investimento mais arriscadas para os fundos de renda fixa, continuando a tendência observada no primeiro semestre, por causa do nível elevado da taxa básica de juros, a Selic, atualmente em 13,75% ao ano.
Entre março de 2021 e agosto deste ano, o BC elevou em 11,75 pontos percentuais na taxa básica de juros. No início desta semana, o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, afirmou que não descarta um novo aumento da Selic no próximo encontro do Copom (Comitê de Política Monetária), nos dias 20 e 21 de setembro.
Além dos efeitos da política monetária, a busca pela renda fixa – considerada mais segura que a variável – reflete também o acirramento da disputa eleitoral entre o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luíz Inácio Lula da Silva (PT), fator que reforça o clima de incertezas para os rumos das contas públicas a partir de 2023.
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“Ninguém sabe o que o próximo presidente vai fazer, como será trabalhada a questão fiscal. Todo esse clima de incerteza e aumento dos riscos leva os investidores para opções mais conservadoras”, afirma.
Knudsen também chama a atenção para as taxas de juros reais, que consideram a atual Selic e a inflação esperada para os próximos 12 meses, como grande atrativo para as opções de renda fixa.
“O juro real corrente está acima de 8%. É um patamar para se investir em algo extremamente seguro e com um retorno alto”, afirma.
Além da questão doméstica, o quadro internacional também é cercado de incertezas com o aumento coordenado dos juros nas principais economias do mundo e o temor de desaceleração da economia global.
Após um período de calmaria no mercado, os investidores voltaram a ficar apreensivos com a escalada das taxas americanas após o Fed (banco central dos Estados Unidos) deixar bastante claro no fim de agosto que a alta dos juros vai se manter até o ponto em que a inflação – a maior em quatro décadas – esteja dominada.
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Na Europa a situação é ainda mais delicada. O BCE (Banco Central Europeu) elevou a taxa básica em 0,75 ponto percentual nesta quinta-feira diante do aumento do custo de vida ao maior patamar em décadas. O cenário tende a ficar pior nos próximos meses com a proximidade do inverno, em meio à crise energética gerada pelo conflito entre Rússia e Ucrânia.
“Os fundos em renda fixa são uma postura defensiva. Para momentos de maior incerteza, faz mais sentido estar alocado nessas opções”, afirma Jonas Doi, co-CEO da Alphatree Capital.
Ainda vale a pena investir?
Não há sinais no horizonte que os fatores que atraem os investidores à renda fixa irão se dissipar no curto prazo. Na cena doméstica, as eleições são vistas como fundamentais para dar novos indicadores de como o mercado vai se comportar no fim do ano e em 2023.
Já o cenário internacional é marcado pela falta de clareza sobre a extensão da guerra no Leste da Europa e os impactos que as sanções sobre a Rússia – e a reação de Moscou aos boicotes – terão na trajetória da inflação e dos juros.
Para Knudsen, os fundos de renda fixa oferecem opções para quem mira no curto e no longo prazo. Para quem quer realizar os rendimentos em até seis meses, o mais recomendado é alocar o dinheiro em opções vinculadas ao CDI, enquanto horizontes mais longos podem ter maior rentabilidade em títulos atrelados à inflação.
Doi também destaca que mesmo que os juros parem de subir, o patamar ainda se mantém bastante atrativo. Há também de se considerar a extensão da política de juros restritiva desenhada pelo Banco Central.
Dados do Boletim Focus divulgados nesta segunda-feira (5) mostraram que analistas do mercado financeiro esperam que a Selic fique acima de dois dígitos por mais tempo do que o previsto inicialmente.
“Não é óbvio que esse movimento de migração para a renda fixa vá acabar tão cedo. Os juros podem parar de subir, mas ainda assim vão permanecer altos”, afirma.
Estratégia de diversificação
Apesar de as incertezas domésticas e internacionais darem pouca atratividade para opções mais arriscadas, os analistas ressaltam a necessidade de colocar ao menos parte dos investimentos em outros fundos além da renda fixa como estratégia de diversificação.
Mais uma vez, as eleições serão um evento-chave para o quadro econômico, com a possibilidade de um novo fôlego na Bolsa com um desenrolar tranquilo após o pleito de outubro.
“Se houver um recado de compromisso fiscal e não tivermos nenhum problema de ruptura institucional, a Bolsa deve ter um rali entre novembro e dezembro”, afirma Knudsen.
O cenário volátil dos últimos meses também reforça a necessidade de ter ao menos uma parte do patrimônio investida em opções mais arriscadas para não perder oportunidades quando a situação doméstica e internacional ficar mais definida.
“Não dá para perder o timing. Às vezes, o mercado antecipa para hoje ações esperadas para apenas daqui a dois meses”, ressalta o gestor da Empiricus.