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Como o fim do rol taxativo pode prejudicar Hapvida (HAPV3), Qualicorp (QUAL3) e SulAmérica (SULA11)

Impactos do projeto de lei vão além do aumento de custos, segundo analistas

Foto: Shutterstock

As companhias listadas na Bolsa que atuam com planos de saúde — como Hapvida (HAPV3), Qualicorp (QUAL3) e SulAmérica (SULA11) — deverão sofrer com custos maiores após o Congresso Nacional aprovar uma lei que amplia o leque de procedimento médicos que podem ser cobertos pelas empresas.

Segundo profissionais do mercado financeiro que acompanham as companhias e foram ouvidos pela Agência TradeMap, a mudança também deve tornar menos previsível a quantidade de vezes que os clientes recorrerão aos serviços médicos, o que, no mercado de seguros, eleva o risco do negócio e pode representar aumento da mensalidade cobrada, tornando os planos menos acessíveis para o público geral.

A nova lei — aprovada no início de agosto pela Câmara dos Deputados e na semana passada pelo Senado — teve como centro da discussão o órgão que regula o setor de planos de saúde, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

A agência tem uma lista de procedimentos médicos que é usada como referência pelas empresas na hora de definir o que será coberto ou não, conhecida no mercado como “rol da ANS”. A legislação que havia sobre isso, no entanto, não era clara sobre o que era considerado obrigatório ou não.

Em junho, para tentar preencher esse vácuo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o rol da ANS era “taxativo”. Ou seja, os planos não eram obrigados a oferecer procedimentos de saúde que não estavam na lista, salvo quando não havia um substituto terapêutico.

O projeto aprovado no Congresso muda essa classificação e passa a considerar que o rol é “exemplificativo”, o que significa que a lista é apenas uma referência, sem desobrigar os planos a nada. Os beneficiários, portanto, podem pedir a cobertura para tratamentos que tenham sido prescritos pelo médico e não estejam na lista.

O efeito óbvio disso para as empresas é um aumento nos custos, uma vez que as operadoras de planos de saúde poderão ter de arcar com um número maior de procedimentos. No entanto, o impacto não será igual para todas.

Para o gestor de renda variável Thalles Franco, da RPS Capital, as que mais devem sofrer são as operadoras da chamada “rede aberta”, que vendem apenas os planos de saúde, sem contar com uma rede própria de prestação de serviços médicos. Nesse grupo, o gestor menciona SulAmérica, Bradesco Saúde, Amil e Unimed.

Já a Hapvida, acredita, pode sofrer menos, pois conta com a própria rede de hospitais, o que faz com que tenha mais facilidade para controlar os custos.

Além disso, ele ressalta que, com um leque de possibilidades maior de procedimentos, as empresas terão menos clareza para definir preços. A regra anterior, da decisão do STJ, trazia mais previsibilidade, avalia o gestor.

“As operadoras podiam dimensionar melhor suas redes e ter uma política de preços mais assertiva”, afirmou, em entrevista à Agência TradeMap.

Os preços estão intimamente ligados ao leque de cobertura por causa de um negócio chamado sinistralidade, o indicador que mostra o quanto os clientes estão recorrendo à cobertura dos planos em comparação a quanto pagam de mensalidade.

Se o cliente tem necessidade de usar bastante um plano, a mensalidade cobrada dele será maior. Se as operadoras de planos de saúde sabem exatamente quais serviços pode oferecer aos beneficiários, fica mais fácil definir um preço.

Se o leque de procedimentos é muito aberto, o risco de a operadora ter mais custos do que receita com aquele cliente aumenta, o que a faz elevar o preço, para tentar diminuir esse risco. O problema é que, se os preços começarem a subir demais, a demanda pelos planos pode cair.

“O projeto de lei representa um aumento da incerteza a respeito da sinistralidade das companhias e tende a dificultar a precificação dos serviços oferecidos”, afirma o analista Breno Francis de Paula, do Inter, também em entrevista à Agência. “As companhias devem repassar essa expectativa de aumento de custos para o consumidor final de forma que, dependendo da magnitude das reprecificações, haja uma evasão dos planos de entrada e migração para o SUS”.

Oportunidade

O projeto de lei, porém, não é de todo negativo para as seguradoras listadas em Bolsa de valores. Na análise do Santander, o PL, somado à lei que estabelece um piso para o salário de profissionais de enfermagem, pode ser um novo catalisador para a aprovação do setor.

“As maiores pressões de custo podem impulsionar rodadas adicionais de consolidação do setor, pois as companhias precisarão ganhar escala para diluir custos fixos”, afirma o banco.

Além disso, as grandes empresas podem se aproveitar da fraqueza de suas concorrentes para ganhar participação de mercado.

“Como o próprio presidente da ANS comentou, 80% das operadoras de saúde são pequenas e não irão conseguir suportar o aumento dos custos dos novos tratamentos e medicamentos, podendo levar a ganhos importantes de market share por parte das operadoras consolidadas”, explica o analista do Inter.

Outra coisa que pode mudar com a aprovação da lei é o volume de processos judiciais entre operadoras e beneficiárias de planos de saúde, segundo o Santander.

Isso porque, na avaliação do banco, em termos práticos, o rol da ANS sempre foi exemplificativo, uma vez que procedimentos que não fazem parte do rol da ANS acabavam sendo oferecidos por meio de decisões judiciais.

“Na nossa visão, a nova lei aumenta a probabilidade de beneficiários de planos de saúde receberem tratamentos de fora da lista da ANS sem a necessidade de ir à Justiça”, afirma o Santander.

Já Thalles Franco, da RPS Capital, acredita que o volume de ações judiciais deve aumentar no futuro próximo, na comparação com o período desde a última decisão do STJ, que estabelecia o rol taxativo, com mais pessoas indo à Justiça para exigir a cobertura de procedimentos de fora do rol.

Essa, inclusive, deve ser outra fonte de custos para as operadoras, que terão de repassar essa alta para o consumidor final. “Voltamos para o status quo que existia antes de o STJ tomar aquela decisão”, comenta.

Considerando todas essas possíveis consequências, porém, a avaliação do Santander é que a nova lei, se aprovada, será negativa para todo o setor de saúde. O BTG, por sua vez, acredita que a medida não deve causar grandes alterações ao “status quo”. “Na nossa visão, a nova lei não é distante do que já está em prática na indústria nos últimos anos”, afirma o banco.

Aprovada no Congresso, a nova lei agora depende da sanção do presidente Jair Bolsonaro para entrar em vigor.

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