O mercado de criptos sentiu forte nas últimas semanas o colapso do sistema de blockchain da Terraform Labs, responsável pela Terra (LUNA) e a stablecoin TerraUSD (UST).
Mais do que somente muito prejuízo, a derrocada deve trazer melhorias e aprendizado ao mercado e aos investidores, principalmente na questão de segurança, dizem especialistas ouvidos pela Agência TradeMap.
O movimento reforçou o viés negativo que já pairava sobre o mercado e jogou o Bitcoin (BTC) para abaixo do nível de US$ 30 mil, fazendo com que o maior ativo cripto em capitalização operasse nas mínimas desde o final de 2020.
O crash jogou desconfiança no mercado como um todo, e fez com que muitos investidores ponderassem sobre o quão estáveis realmente são esses ativos. Stablecoins, ou “moedas estáveis”, são ativos criptografados que buscam lastros em ativos do “mundo real” (moedas, ouro, commodities). Elas tendem a não mostrar tanta volatilidade quanto outras criptomoedas, como o Bitcoin e o Ethereum (ETH).
O reflexo da insegurança recente fez com que o Tether (USDT) – a principal stablecoin em capitalização – perdesse momentaneamente a sua paridade com o dólar no fim da semana passada. Horas depois, a correlação foi estabelecida.
Nesta segunda-feira (16), foi a vez da Dei (DEI), da Deus Finance, ceder parte da sua valorização lastreada na moeda americana. Neste caso, o sistema não conseguiu se reestabelecer, e a paridade da cripto segue abaixo de US$ 0,60, conforme dados da CoinMarketCap.
“À medida que as stablecoins se tornam cada vez mais integradas como infraestrutura de camada básica no mercado, as ondas de choque de um evento de perda de paridade, especialmente na maior stablecoin USDT, terão impactos generalizados”, escreveu a Glassnode em relatório divulgado no início da semana.
Aumento da segurança
Para Henrique Teixeira, Global Head of Business Development do Grupo Ripio, um dos grandes legados da vaporização da LUNA será o esforço de outras criptomoedas em não fazer com que o mesmo se repita com os seus sistemas.
“Haverá uma revisão dentro de casa sobre o que aconteceu e o que deve ser feito para mitigar esses riscos. Com toda a certeza, a indústria vai tirar um aprendizado muito grande disso”, afirma.
Mas a lição amarga não será apenas para quem detém as blockchains. O grande número de investidores no sistema da Terraform Labs e o choque do prejuízo indicam que muitos investidores ainda entram em projetos sem ter total noção do que está por trás, diz Carlos Eduardo Gomes, Head de Research da Hashdex.
O analista separa as stablecoins em três categorias diferentes. O primeiro tipo é formado pelas criptos que possuem o seu lastro em dólar ou outros ativos reais, como commodities e ouro. Os principais nomes desse formato são o USDT e o USD Coin (USDC). Somados, os dois detêm cerca de 78% da capitalização do mercado de moedas estáveis.
Existem também as lastreadas em outros ativos criptos, como o Bitcoin e Ethereum (ETH). Já o terceiro tipo, e o mais delicado, é os de stablecoins lastreadas em sistemas algorítmicos, justamente o exemplo da blockchain da Terra.
Nesse protocolo, a paridade da moeda é defendida por um complexo sistema de correlação baseado em contratos virtuais.
Em suma, quando um UST é emitido, a blockchain queima US$ 1 em LUNA. A lógica também vale para o inverso: quando uma unidade de LUNA é cunhada, uma de UST é apagada do sistema.
Esta correlação foi abalada após um saque massivo de UST, o que desencadeou a perda de paridade com a moeda-irmã. Diante da queda, investidores perceberam que a coisa não ia bem, e correram para liquidar as suas posições, derrubando ainda mais a cotação das duas criptos.
“São três mecânicas diferentes, e cada uma apresenta mais risco que a outra. É preciso ter cuidado na hora de investir e olhar caso a caso, e é bom ficar atento com coisas muito inovadoras e que parecem boas demais”, afirma Gomes.
Avanço nas regulamentações
O choque de desconfiança deve se dissipar com a percepção do mercado dos diferentes tipos e riscos nas stablecoins. “Até agora, não havia muitos casos. O investidor vai entender as diferenças de modalidades e isso dá mais segurança para ele entrar em um determinado projeto”, diz Teixeira, da Ripio.
A questão também deve engrossar os debates para o maior controle do sistema de ativos digitais. “Há o susto no curto prazo, mas cedo ou tarde, a confiança volta. É possível que tudo isso acelere o processo de regulamentação do mercado de stablecoins, e isso só traz benefícios para o mercado”, afirma Gomes.
De fato o assunto já está na mesa. Dias após o colapso, a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, afirmou que o caso do UST mostra como as criptomoedas apresentam riscos ao sistema financeiro. “Realmente, precisamos de uma estrutura abrangente para que não haja lacunas na regulamentação.”