A ação da Alpargatas (ALPA4) despenca no pregão desta terça-feira, 21. Por volta das 14h30, o papel era negociado em queda de 8,68%, a R$ 35,35, um dia depois de a companhia anunciar a aquisição de 49,9% de participação na Rothy’s, empresa americana que atua na fabricação e na comercialização de calçados e acessórios.
Apesar de a empresa ter declarado que a operação “representa um passo importante na aceleração da expansão global e na consolidação de sua estratégia em ser uma casa de marcas desejadas e hiperconectadas”, o mercado reagiu mal à notícia.
Um dos pontos que mais preocupam os investidores, segundo Murilo Breder, analista da Nu Invest, é o valor da compra. Uma das contas que o mercado faz para saber se uma aquisição foi cara ou barata é dividir o valor da companhia pelo seu faturamento. Quanto maior for o valor da empresa em relação à receita, mais cara ela está.
A Rothy’s, no caso, foi avaliada em algo entre seis a sete vezes o seu nível de faturamento, enquanto a própria Alpargatas é negociada em Bolsa com um resultado de cinco vezes. Já a Arezzo, sua concorrente, ao redor de três vezes. “Fica a questão se crescimento dessa marca é sustentável para justificar essa conta daqui para frente”, diz Khalil de Lima, analista de ativos da Reach Capital.
Além disso, o valor a ser pago pode mudar a situação financeira da Alpargatas, explica Breder, da Nu Invest. A empresa, que atualmente tem cerca de R$ 700 milhões em caixa e uma parcela da venda da Osklen para entrar, vai ter de realizar uma oferta de ações para bancar a aquisição. Com isso, passará a ter dívida.
A ampliação do portfólio de marcas, em si, também é fonte de preocupação. “Eles fizeram movimentos de desinvestimento, e o mercado estava começando a gostar disso. Seria uma empresa limpa de outras marcas que tirariam a atenção do principal negócio, e a empresa focaria em Havaianas”, comenta Lima. O analista da Reach aponta que, segundo a própria empresa, há espaço para expansão global da marca Havaianas.
Outro ponto de atenção diz respeito às sinergias que podem ser geradas pela operação, a primeira aquisição internacional da companhia sob direção do CEO, Roberto Funari, visto que a empresa não estimou os ganhos.
A XP Investimentos, em relatório publicado na segunda-feira, também enxerga este risco, mas argumenta que o fato de os fundadores e principais executivos da marca permanecerem no controle da operação deve ajudar.
Breder cita como outro fator de dúvida o potencial de sucesso da marca Rothy’s fora dos Estados Unidos. Segundo ele, essa questão é relevante especialmente se considerado o tíquete médio dos produtos da americana, de US$ 144, o que fará com que custem caro no Brasil.
A XP, por sua vez, menciona possíveis cópias como outro risco, porque que outras marcas dos EUA já replicam os modelos da Rothy’s a preços mais baixos.
Há, no entanto, pontos positivos na aquisição, que, na visão de Breder, vai ao encontro dos quatro pilares estratégicos que a Alpargatas começou a focar desde a venda das marcas Mizuno e Osklen: ser uma empresa global, inovadora, digital e sustentável.
Sob esse ponto de vista, Breder afirma que o mais forte da operação é o fato de a Rothy’s ser uma empresa digital. O canal responde por 95% das vendas da empresa. Além disso, o analista ressalta a característica sustentável da operação, já que a fabricação é feita a partir de materiais reciclados.
Em termos de inovação, segundo Breder, preocupa a existência de outras marcas com modelos de negócios semelhantes. Ao analisar o pilar global, o analista da Nu Invest afirma que a atuação da Rothy’s ainda está muito concentrada nos Estados Unidos.
Neste ponto, para a XP, a aquisição é o primeiro passo da companhia na direção de se tornar uma empresa global de marcas fortes, por meio de uma empresa com foco em sustentabilidade e em calçados fechados, neste caso diferente do core business da Alpargatas.
A corretora menciona ainda que a transação amplia a exposição da Alpargatas ao dólar, o que pode ser positivo em um cenário de volatilidade macroeconômica no Brasil.
Em resumo, para Breder e Lima, ainda é necessário esperar para entender melhor as consequências da aquisição. “Ainda é preciso esperar por alguma manifestação da companhia, ver como ela vai lidar com essa aquisição, o potencial de sinergia… O mercado ainda tem pouca visibilidade, por isso é que está ocorrendo tamanha penalização”, diz Breder. Lima concorda. “É mais uma questão de ver qual é a qualidade do ativo, entender o valor dessa marca lá fora, e a empresa vai ter que fazer esse trabalho ainda.”
Sobre a aquisição
A Rothy’s seguirá operando de maneira independente, e a Alpargatas deverá atuar no sentido de aumentar a base de clientes e a notoriedade da marca nos Estados Unidos e exterior.
Em um primeiro momento, a Alpargatas vai desembolsar US$ 200 milhões para comprar ações que serão emitidas pela Rothy’s, até o fim de março do ano que vem. Em um segundo momento, ainda no primeiro semestre de 2022, a Alpargatas iniciará uma oferta para acionistas e executivos da companhia para adquirir mais ações, opções ou direitos de subscrição, que pode custar mais US$ 275 milhões. Somando as duas operações, a companhia pagaria o valor total de aproximadamente US$ 475 milhões.
Desse total, a primeira parcela, de US$ 50 milhões, foi paga nesta data com recursos próprios da Alpargatas. Para o restante do pagamento, a companhia pretende emitir ações. Detalhes ainda deverão ser avaliados pela empresa.
Ao final da segunda oferta, a Alpargatas irá se tornar um acionista minoritário relevante da Rothy’s, ganhando direitos de indicar quatro nos nove membros do conselho de administração da americana. A companhia já revelou dois nomes que irão ocupar cargos no conselho: Roberto Funari, CEO da Alpargatas, e Stacey Brown, membro independente do conselho da brasileira.
Ainda, em até quatro anos, a Alpargatas terá o direito de adquirir mais ações para obter o controle da Rothy’s.