Tributação de criptos: o que deve mudar após a regulamentação do setor?

Texto aprovado pelo Congresso apresenta diretrizes para regras do setor e exige nomeação do "xerife do mercado"

Foto: Shutterstock/Julia Tsokur

Após longas negociações, o Congresso aprovou, na semana passada, as diretrizes para a regulamentação do mercado de criptoativos no Brasil. A tributação, porém, foi um assunto que ficou de fora do texto, o que significa que as regras adotadas pela Receita Federal continuarão valendo ao menos por mais algum tempo, segundo especialistas.

Jorge Lopes, sócio da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados, destaca que as regras aprovadas pelo Congresso criam um arcabouço jurídico para o setor, além de determinarem a indicação de um órgão para ser o “xerife do mercado”.

“É disso que deve partir a regra tributária, mas não acho que, no curto prazo, vá mudar o que tem hoje”, diz.

No Brasil, quem investe em criptomoedas é obrigado desde 2019 a informar, na declaração do Imposto de Renda, as operações neste mercado.

A Receita Federal se antecipou ao Congresso neste caso, e assumiu a responsabilidade de criar normas de tributação do setor, mas segundo Tathiane Piscitelli, professora e coordenadora do Núcleo de Direito Tributário da Escola de Direito de São Paulo da FGV, a normativa é frágil por não estar vinculada a preceitos jurídicos, como uma lei.

“A Receita Federal se posiciona através de um documento de perguntas e respostas no Imposto de Renda. É uma base normativa relativamente frágil”, pontua. “Deveria existir uma lei que trata especificamente das taxações de criptos, com delimitações mais claras e que superasse as divergências em torno das possibilidades de tributação”, afirma.

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Como é a tributação no Brasil?

A Receita Federal determina que todo ativo digital com valor de compra de até R$ 5 mil deve ser declarado pelos contribuintes. O limite vale para cada tipo de ativo. Ou seja, se o investidor possui R$ 5 mil em Bitcoin (BTC) e outros R$ 2 mil em Ethereum (ETH), apenas o primeiro precisa ser apresentado ao Fisco.

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Já a cobrança do Imposto de Renda é determinada para quem registre ganho de capital acima de R$ 35 mil em criptos por mês. O valor abarca todos os ativos digitais, ou seja, todas as moedas que o usuário possui na carteira.

Assim como outros ativos, o tamanho da mordida do Leão varia conforme o total vendido ou comprado. Para valores de até R$ 5 milhões de ganhos, a alíquota corresponde a 15%. O valor aumenta de forma gradual até o patamar de mais de R$ 30 milhões negociados, com alíquota de 22,5%.

Como é a tributação em outros países?

O caso do Brasil se assemelha ao de outros países, que também começam a achar meios de tarifar o incipiente mercado de ativos digitais.

A Itália anunciou, na semana passada, a taxação de criptos a partir de 2023. Planos do governo italiano incluem a tarifa de 26% sobre ganhos de capital, ou seja, o lucro com a operação de compra e venda, acima de € 2 mil. Quem declarar as criptomoedas no ano que vem, porém, deve pagar uma alíquota menor, de 14%.

Antes, Portugal, que até então era visto como um dos países mais amigáveis para os investidores de cripto, também divulgou medidas semelhantes. Por lá, o ganho de capital com criptomoedas terá tributação de 28%, segundo diretrizes divulgadas em outubro.

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As medidas dos dois países são apenas alguns exemplos do que diversas economias começam a fazer para tributar o mercado de criptos. As investidas, porém, ainda esbarram em diferentes interpretações sobre como cada autoridade classifica como um criptoativo e em qual prateleira do mercado financeiro eles devem ser colocados.

Nos Estados Unidos, os investidores são obrigados a declarar à IRS (a receita federal americana) vendas, pagamentos, conversões e ganhos de capital em cripto, e há taxas e normas distintas para cada um destes eventos.

Por lá, nos ganhos de capital em investimentos de longo prazo (mais de um ano em posse do ativo), a taxa pode variar de 0% até 20%. Já investimentos abaixo desse prazo são considerados de curto prazo, com tarifas de até 37% sobre o lucro.

Segundo analistas jurídicos, a legislação brasileira não fica para trás em relação à da maioria dos outros países, que também atuam de alguma forma na taxação do mercado.

O mercado de criptoativos nasceu no final da década de 2010, a partir da mineração do primeiro Bitcoin (BTC). Ao longo dos anos, os ativos digitais saíram da marginalidade para serem abraçados por grandes nomes do mercado, como a BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo e que neste ano lançou um fundo com exposição aos criptoativos.

Esse curto espaço de tempo justifica a falta de direções para o setor, mesmo nas economias mais avançadas. De forma básica, a maioria dos países promove algum tipo de tributação de ativos digitais em três ocasiões: quando eles são vendidos e convertidos em moedas “de verdade”; quando são trocados por outros ativos digitais; ou quando são usados para o pagamento de serviços e bens.

Nessa lista estão, além do Brasil, grandes representantes do livre mercado, como Estados Unidos, Alemanha, Japão e Reino Unido.

Divergências entre legislações

Apesar do aparente consenso sobre a tributação, Piscitelli, explica haver muitas diferenças entre o entendimento de cada país sobre a taxação dos ativos.

Um dos principais pontos de discórdia é a tributação das empresas que geram os criptoativos – as chamadas mineradoras, parte fundamental do mercado e que geram bilhões de dólares em rendimento todos os anos.

Parte das autoridades acredita que a mordida do Leão deve ser dada no primeiro recebimento da cripto, enquanto outras consideram que a taxação deve ser aplicada em outras partes da cadeia de produção e do uso dos ativos.

“Alguns países tributam no recebimento de novas moedas, outros escolhem tributar na circulação. Existem grupos que buscam soluções mais diversas, dependendo de situações específicas de cada legislação”, explica.

Destoando de outros países, o Brasil não possui diretrizes para a taxação das mineradoras.

Se a tributação de criptomoedas já causa certa confusão, o cenário fica ainda mais incerto quando se somam outros tipos de ativos digitais que não são necessariamente usados como dinheiro virtual, como os NFTs (tokens não fungíveis, na sigla em inglês) e propriedades no metaverso.

“Existem ativos que não são criptos, mas há uma dificuldade maior de situá-los”, diz Lopes. “Isso ainda está em discussão e ainda não existem definições.”

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