A distância do sistema financeiro tradicional colocou nas criptos o rótulo de ativos blindados às intempéries econômicas que mexiam com outros investimentos. A crescente adoção de investidores institucionais nos últimos anos mudou esse cenário, e hoje a direção do Bitcoin (BTC) está intimamente ligada às outras forças que movem o mercado, como o aumento dos juros americanos.
Este movimento, no entanto, não deve se prolongar, afirma José Artur Ribeiro, CEO da Coinext, uma das principais exchanges em atuação no mercado brasileiro. Para o especialista, a indicação da reversão da atual política de aperto monetário esperada para o ano que vem deve mudar essa correlação entre as criptos e os mercados tradicionais.
“É uma questão de tempo. (…) O mercado estava muito propenso ao risco, agora vemos o contrário, um equilíbrio daqui para frente, ou outras ondas de mercado que vão fazer o Bitcoin ser o que ele é, que é um ativo resiliente contra inflação e outras formas de manipulação de política monetária”, disse em entrevista à Agência TradeMap.
O cenário restritivo da política monetária também deve manter a cotação do BTC na atual faixa de US$ 20 mil no curto prazo. A tendência é que o quadro evolua a partir do próximo ano, mas de uma forma muito mais lenta da observada com a euforia do mercado nos últimos dois anos.
“Não vai ser qualquer tuíte do Elon Musk que vai fazer o Bitcoin dobrar em poucos meses”, afirmou Ribeiro.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
O que esperar para o mercado de criptoativos neste ano e em 2023?
Acho que chegamos no máximo de aperto monetário por parte de bancos centrais mundo afora. Caso continuem nessa toada, terão outros problemas.
Se todo mundo passar a deixar só o dinheiro na renda fixa e empresas não conseguirem se endividar para continuarem produzindo porque o custo de capital está alto, a atividade produtiva começa a ser inibida e se cria um ciclo terrível.
Tem um limite até um ponto que (os bancos centrais) conseguem manipular essa taxa de juros, e acho que estamos chegando no cume do morro.
Não vejo muita surpresa para o Bitcoin até o final do ano, infelizmente. Mas, até os próximos cinco meses, quando começar a haver uma redução da taxa de juros, vamos voltar a ter uma euforia no mercado, não só de cripto, mas de renda variável de maneira geral.
Eu vejo uma estabilidade no curto prazo, e no médio prazo a coisa tende a melhorar de forma significativa. Vai ser na velocidade que foi 2021? Não. (…) não vai ser qualquer tuíte do Elon Musk que vai fazer o Bitcoin dobrar em poucos meses.
A alta vai ser mais madura e gradual, mas tende a voltar para o preço justo do tamanho de oferta e demanda. Com o advento do halving [processo que corta a remuneração de mineradores pela metade e que ocorre em média a cada quatro anos] em 2023, o ano que vem vai ser promissor e de precificação.
Qual seria o preço justo?
Dado o tamanho do mercado, tirando um aspecto de euforia, falar em US$ 35 mil a US$ 40 mil, como estava no começo deste ano, é o razoável.
Até quando o Bitcoin vai estar correlacionado ao mercado acionário? A cripto ainda é uma forma de proteção contra a inflação e juros?
É uma questão de tempo até a gente deslumbrar uma descorrelação de novo. Passamos por momentos muito atípicos. Tivemos no ano passado uma entrada muito pesada dos [investidores] institucionais, de fundos de investimentos e corporações no Bitcoin.
Diante de um cenário de juros muito baixos e de expansão monetária desenfreada por parte dos governos e políticas irresponsáveis, o Bitcoin se mostrou o ativo resiliente, o ativo antifrágil.
Mas, quando volta para outro cenário de aumento contínuo de alta de juros, e em tese, os títulos de governo ainda são ativos seguros, ter essa correlação é inevitável. O fato é até quando os títulos públicos, que são dívidas humanamente impagáveis, vão ser considerados ativos seguros?
Na hora que um determinado player grande começar a não comprar a capacidade de governos, como dos Estados Unidos e do Japão, entre outros, que tem uma dívida/PIB assustadora, então começamos a inverter o jogo.
Então vejo que em um futuro, não tão longe assim, o fortalecimento de ativos como o Bitcoin, e os não inflacionários de maneira geral, como ouro, imóveis, terra, vão ter um crescimento jamais visto na sociedade anteriormente.
É uma questão de tempo. São momento de mercado, ondas de mercado. O mercado estava muito propenso ao risco. Agora vemos o contrário, um equilíbrio daqui para frente, ou outras ondas de mercado que vão fazer o Bitcoin ser o que é, um ativo resiliente contra inflação e outras formas de manipulação de política monetária.
Num mundo com menos liquidez – juros em alta nas economias avançadas e menos dinheiro injetado no sistema financeiro pelos bancos centrais -, há espaço para as criptomoedas voltarem a ter o mesmo papel que tinham antes?
É uma questão de tempo. São ondas de mercado, mas os fundamentos econômicos não mudaram. O blockchain é transparente e resolve problemas contemporâneos e da economia digital.
Quando olho e vejo que os fundamentos econômicos não mudaram, assim como governo continuam sendo muito arrojados como nunca antes – depois de 2008, ninguém se preocupa com nada no ponto de vista de responsabilidade fiscal e política monetária.
Não vejo outra forma de se resolver esses problemas. O blockchain está aí e vai se fortalecer cada vez mais. De 2017 até hoje, vemos cada vez mais players entrando, ou seja, ninguém quer ficar de fora. Isso é uma prova de que a coisa só tende a se fortalecer nos próximos anos.
O que muda com a recente entrada de grandes bancos e instituições financeiras no mercado de criptoativos?
Isso mostra que os criptoativos vieram para ficar. Toda aquela evangelização lá atrás, quando se falava disso em 2017, parecia papo de louco. Isso mostra que não estávamos tão errado assim, muito pelo contrário. Trata-se de uma revolução tecnológica. A principal revolução desde o advento da internet é a blockchain.
A entrada dos bancos e investidores institucionais, as regulamentações que se discute hoje ao nível do Banco Central e da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), além de toda a discussão que dentro da Câmara e do Senado, mostram o quão relevante esse mercado se tornou.
No primeiro momento, parece que eles [instituições financeiras] estão tomando o mercado, mas acho que não. Eles estão ajudando a construir um mercado que é muito maior do que tínhamos até então. Estamos ampliando esse mercado, e vejo isso de uma forma muito positiva.
Por que um investidor deve optar por uma exchange independente em vez de comprar criptos com instituições financeiras tradicionais?
A primeira grande diferença das funcionalidades que esses players lançaram é a capacidade de se ter liberdade para sacar e depositar. Nós somos um ambiente muito mais complexo nesse sentido. O usuário comum, que quer ser dono do seu próprio ativo, só consegue fazer isso através das exchanges.
Nós somos a ferramenta, a Bolsa de Valores que une demanda e oferta na essência. O nosso mercado é bem mais orgânico do que as funcionalidades desses players que agora começam a surgir.
No nosso ambiente, o usuário tem mais liberdade para compra e venda, um ambiente muito mais líquido, um ativo mais barato e com taxas menores.
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A regulamentação proposta pelo Senado coloca as plataformas internacionais em pé de igualdade com as brasileiras? Qual a expectativa com os trâmites na Câmara dos Deputados?
Eu estava bastante otimista. Achava que ia ser aprovada no primeiro semestre [na Câmara]. Houve algumas discussões que me deixaram preocupado na medida em que tiraram algumas coisas que o Senado considerou fundamental, como a desconexão do patrimônio dos clientes com o da exchange.
Ainda sou otimista que esse processo vá se concretizar até o fim deste ano. Não é perfeito, mas olhando o todo é um avanço que o Brasil dá no sentido de organizar a atuação de player no mercado.
É um processo que encaro com bastante tranquilidade e acho que vai ser um avanço importante. Poderíamos ter aproveitado se tivéssemos feito esse processo mais rapidamente.
Essa demora continua causando insegurança jurídica, diminui investimentos no setor, dá margem para players fraudulentos e impede que investidores institucionais atuem no mercado.
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O Bitcoin pode cair em desuso por causa da forma como é minerado?
Não vejo nenhum tipo de risco ao Bitcoin. Vejo o Bitcoin de uma forma muito diferente do Ethereum. São duas blockchains que resolvem problemas distintos. O blockchain da maneira como é [no Bitcoin] resolve um problema atual de ter um ativo digital que representa muito mais uma reserva de valor do que qualquer outra coisa.
Nesse sentido, considerando as características do Bitcoin, a prova de trabalho (método de mineração com maior consumo de energia) funciona muito bem. Não vejo o Bitcoin mudando tão cedo, e não vejo que ele perde com essa atualização do Ethereum.
Qual criptomoeda tem um futuro mais promissor, Ethereum ou Bitcoin?
São ativos que resolvem problemas distintos. Com a atualização, o Ethereum sai muito mais forte em relação aos concorrentes. Se vislumbrarmos uma adoção muito forte do Ethereum, sendo a rede escolhida para essa nova economia, para o metaverso e tokenzição de ativos, NFTs (tokens não fungíveis, na sigla em inglês), vai estar páreo com o Bitcoin.
Mas o Bitcoin continua sendo o Bitcoin, 90% das transações ainda são com ele. Todo mundo começa [a investir] com ele, é muito resiliente. Acho muito difícil o Ethereum passar o Bitcoin nesse sentido.