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Novas nuances para o desafio do varejo no Brasil
Fernando Baialuna Colunista

Fernando Baialuna

Diretor de unidade de negócio e gfkconsult da GfK. Com 24 anos de experiência como consultor, empreendedor e analista do mercado de consumo para produtos duráveis, não duráveis e serviços.

Atuou em empresas de pesquisa de mercado, indústria e startups no atendimento e consultoria para varejos e indústrias. Formado em Comunicação pela FAAP, tem pós-graduação em Marketing na ESPM e MBA em Gestão de Negócios na FIA.

Novas nuances para o desafio do varejo no Brasil

Imagem de loja, produtos e cliente ao fundo, sobreposta por ícones de multicanais de venda

Foto: Shutterstock

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A pandemia influenciou o comportamento do consumidor nos últimos dois anos, resultando numa mudança profunda na jornada de compra e na valorização da experiência como extensão do valor da marca. O momento da retomada, porém, que vem acompanhado por discussões sobre as condições macroeconômicas, reflete uma maior preocupação com o custo de vida e o impacto da inflação no dia a dia dos consumidores.

Num cenário complexo, pouco sobra para a imaginação: aumento da inflação, taxa de juros e das tarifas públicas; taxa de câmbio elevada; ruptura na cadeia de abastecimento; crescimento não previsto de demanda para alguns setores da indústria em 2020 e 2021; e, finalmente, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, o que gerou pressão sobre os preços dos suprimentos.

A pressão gradativa e consistente no bolso do consumidor nesse contexto segue seu processo no curto prazo e, inevitavelmente, impacta o poder de compra, embora essa percepção seja diferente de acordo com o perfil de renda de cada indivíduo.

“Premiunização”

Para os mais ricos, a capacidade de compra de itens de maior valor agregado pode não ser afetada, mas a alta de preços causa incômodo, desorientando a percepção relativa de valor e postergando a decisão de compra. Isso gera novos desafios para estimular a aquisição o consumo num curto espaço de tempo. Aqui é importante reforçar que o fenômeno de “premiunização” segue como tendência para esse público.

Com o objetivo de despertar o desejo e estimular o consumo de eletroeletrônicos para esse público, por exemplo, as marcas precisam ter foco na multifuncionalidade dos produtos como as air fryers recém-lançadas, que vem com forno elétrico integrado; apresentar ofertas para upgrade de um item; e o genuíno propósito de sustentabilidade.

Neste caso, deve ser abarcado em cada um deles o desenvolvimento do conceito de durabilidade, a reciclagem/reuso dos componentes e embalagens, a possibilidade de utilizar peças de reposição para reduzir o descarte do produto, aumentado a sua vida útil. Além disso, há a necessidade de prever e dar suporte para que o descarte seja feito sob os critérios ecológicos corretos.

Todos esses são aspectos que corroboram para estender o valor da marca, obrigatoriedades para a ampliação do conceito de qualidade de uma marca/produto.

Ainda pensando que a sofisticação do lar persiste com o advento de novas experiências e ritos, está clara a tendência ao premium de nicho para atender a um lar mais amplo. Há oportunidades para o crescimento de categorias que ampliam essas experiências, incluindo itens como máquina de lavar louças, adegas e cervejeiras.

Para os mais pobres, a inflação é mais severa e não há alternativa ante a redução do valor relativo dos salários e, consequentemente, do seu poder de compra. E é notório que esse perfil de consumidor já está no limite e os aumentos de preços corroem continuamente sua capacidade de comprar o essencial.

O remédio para conter a inflação é amargo, ainda mais para as faixas de renda baixa, pois o aumento da taxa de juros bloqueia uma parte considerável desses consumidores, que não conseguem financiar as suas compras.

Financiamento

Ao trazermos essa realidade para o consumidor brasileiro, fica claro que estamos diante do momento mais desafiador desde 2015. E neste contexto, as varejistas lutam para estimular a demanda reprimida, num momento em que o financiamento sem juros está praticamente restrito a seis parcelas.

Vale relembrar que, historicamente, tivemos parcelamento de 12 a 18 vezes sem juros. Além disso, o financiamento faz parte da cultura de consumo do país, desde a classe A até classe E.

Esse formato de pagamento está sacramentado na mente dos consumidores de diferentes gerações como uma das mais importantes condições para adquirir em itens de maior valor agregado.

Olhar positivo

A despeito de todos os desafios, percebemos no horizonte alguns indícios positivos. Ao analisar as vendas dos primeiros meses deste ano, notamos uma sutil retomada do crescimento em bens de consumo não duráveis a partir de março.

O aumento do consumo também foi percebido no Dias das Mães, ocorrido no dia 8 de maio. O resultado de vendas na data comemorativa foi melhor do que o esperado para os setores de eletroeletrônicos, serviços e moda. Destacamos dois itens que chamaram a atenção na categoria de eletroportáteis: as fritadeiras sem óleo, que venderam 40% a mais que no anterior, e os modeladores de cabelo, que tiveram um crescimento de 18%.

Mesmo num cenário que pode ser considerado um pouco mais favorável, ainda assim, o tíquete médio é menor se comparado aos valores do mesmo período 2020 e 2021. Fica evidente que a classe média, que responde por 50% do consumo de duráveis, e os mais ricos sustentam em grande parte o resultado do setor.

Some-se a isso o fato de que voltamos a reabrir completamente o varejo não essencial. O retorno do setor de forma ampla após dois anos de interrupções contribui, aos poucos, para resultados positivos da área.

E quais as tendências?

Esse contexto sugere que devemos olhar com atenção para fenômenos que aceleram algumas tendências de consumo nessa travessia:

1 – Gasto menor em itens não essenciais e de indulgência, como os de moda, cosméticos, eletroeletrônicos e alimentícios, a exemplo de chocolates e outros itens de preços mais altos, diferentes dos convencionais.

2 – Escolha de marcas próprias para economizar no orçamento dos itens essenciais e bens de consumo não duráveis.

3 – Aumento da pesquisa e da complexidade da jornada de compra para buscar melhores preços em todos os canais de venda, independentemente da especialização de cada varejista.

4 – Crescimento da economia circular, não só como uma resposta a mudança de hábitos e atitudes, mas como uma necessidade ante o aumento de preços ocorrido nos últimos dois anos. Essa tendência se constitui uma alternativa de buscar a melhor relação entre custo e benefício ao eleger novos produtos. Além disso, se reflete na redução dos custos e do consumo de recursos naturais na cadeia de produção. O ganho chega também a todos os elos que integram o ciclo do produto e ao consumidor final.

5 – Ressignificação do produto premium e o surgimento do “affordable premium”, o chamado premium voltado ao custo-benefício.

Essas atitudes do consumidor podem ser o ponto de partida para a geração de fôlego para os negócios e manutenção da saúde financeira do varejista em dia.

Com o consumidor mais racional e comedido, cortando itens da cesta de compras de bens não duráveis, os produtos de marca própria se convertem em uma alternativa tão ou mais interessante que a segunda e terceira marcas.

Pensar em oferecer parcelas que caibam no bolso para os produtos de maior valor agregado ou repensar as ofertas para atender às necessidades do público de renda mais baixa, principalmente para os eletroeletrônicos, também pode ser considerado.

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Investir no desenvolvimento de novos fornecedores, em todos os segmentos, para os produtos mainstream (convencionais) e com posicionamento de preço intermediário pode ser uma outra boa estratégia.

Neste ponto, temos que lembrar que estamos em um ano de Copa do Mundo, com uma clara oportunidade de ampliar a venda de televisores com telas grandes e abrir mão da melhor tecnologia de resolução de imagem, por exemplo.

Vale ainda oferecer vantagens promocionais para a jornada de compra “figital”, que integra o varejo online e físico, com, por exemplo, a realização da compra pela internet e a retirada na loja com obtenção de desconto.

Além disso, é válida a oferta de serviços como uma extensão de valor do produto, como seguro, financiamento, serviços, packs gourmet como  a  compra de uma cesta de produtos temática para um jantar ou um serviço de assinatura para receber de uma determinada marca sugestões para a harmonização de um vinho com uma refeição –, assistência técnica e manutenção.

Sortimento e exposição

Na mesma tendência, com a reavaliação do valor percebido do produto premium, está o movimento de downgrade no segmento de bens de consumo não duráveis. Os fabricantes passam a ofertar produtos em embalagens menores e com formulações mais baratas. Esse movimento da indústria permite que o varejo redefina sortimento, exposição e oferta. Assim, há mais uma oportunidade de racionalização do abastecimento e otimização de custos.

A otimização de sortimento ocorre no momento que o varejo foca itens que geram maior tráfego no online e físico. Junto a isso, a redução de estoques e o investimento em promoções mais assertivas, pensadas para gerar o desejo e a oportunidade de compra, podem ser alternativas para liberar mais fluxo de caixa no curto prazo para as empresas do setor.

Muitos perguntam qual a receita para estimular a demanda e como fazê-lo, principalmente em cenários de instabilidade econômica. Sempre digo que a resposta não está lá fora, mas na nossa capacidade de aprofundar o entendimento sobre o consumidor, da jornada de compra e da concorrência.

A nossa perspectiva ganha novas nuances quando somamos as nossas capacidades intelectuais e tecnológicas, a nossa inteligência aumentada, para a discussão dos nossos problemas de negócio ante a um mar de dados e insights. Esse toque cabe a nós, e o ajuste constante das rodas das ações também.

*As opiniões, informações e eventuais recomendações que constem dos artigos publicados pela Agência TradeMap são de inteira responsabilidade de cada um dos articulistas. Os textos não refletem necessariamente as posições do TradeMap ou de seus controladores.

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