O rombo de mais de R$ 40 bilhões da Americanas (AMER3), que fez a empresa pedir recuperação judicial na semana passada e a colocou no centro das atenções do mercado e fora dele jogou luz sobre as outras empresas do setor.
Primeiramente, o mercado se perguntou se os concorrentes da empresa seguiam as mesmas práticas. Depois, os investidores começaram a ponderar se valia a pena fazer uma rotação de ações, ou seja, vender seus investimentos na Americanas e comprar em algum outro par da varejista.
A venda das ações foi a opção escolhida por grande parte dos acionistas. Desde o dia seguinte ao anúncio do rombo contábil inicia de R$ 20 bilhões até o fechamento da quarta-feira (25), os papéis da companhia recuaram mais de 90%, passando de R$ 12 para uma faixa inferior R$ 1.
Para piorar a situação da empresa, a B3 excluiu o papel de todos os índices da Bolsa, incluindo o Ibovespa, o principal deles.
Na esteira desse movimento, a ação do Magazine Luiza (MGLU3), uma das empresas concorrentes da Americanas, saltou 62,59% no mesmo período.
Esse movimento colocou levantou uma questão: será que é hora de apostar no papel do Magalu?
Para analistas ouvidos pela Agência TradeMap, o cenário macroeconômico ainda é difícil para o setor de varejo, e a alta vista na ação desde o início da crise da concorrente tornam o investimento não tão atrativo assim.
Na avaliação de Angelica Marufuji, sócia da gestora Meraki Capital, ainda não é a melhor hora para comprar ações da empresa de Luiza Trajano, já que juros e inflação elevados ainda persistem por aqui.
“Ainda vemos um endividamento da população alto, e categorias de maior tíquete dessas varejistas, com demanda fraca. Acho cedo ainda para apostar no setor, ainda mais depois dessa alta forte vista nas últimas semanas”, afirma.
A taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic, está em 13,75% ao ano desde julho do ano passado. Segundo projeções feitas pelo Boletim Focus nesta semana, os analistas ouvidos pelo BC esperam que o patarmar fique em 12,50% ao fim de 2023, abaixo do atual, mas ainda elevado.
Na opinião do analista da Guide Investimentos Rodrigo Fraga, a alta de mais de 60% dos papéis vista desde 12 de janeiro é, para além de uma migração dos investimentos de Americanas para a concorrente, um reflexo de uma queda intensa vista no último ano e meio.
Segundo dados da plataforma do TradeMap, desde o primeiro dia julho de 2021, o papel do Magazine Luiza acumula baixa de cerca de 80%.
Bruno Damiani, analista de varejo da Western Asset, não acredita que a crise de Americanas veio para mudar os investimentos no setor, já que justamente esse cenário macroeconômico de inflação e juros altos que independe da empresa ainda é delicado.
A gestora de Damiani não possui alocação em varejistas no momento. Se fosse para ter uma posição, porém, a escolha seria o Magalu. “Achamos que eles fazem bem o trabalho de aumentar rentabilidade. Esse movimento de Americanas pode beneficiar o Magalu com a empresa [em recuperação judicial] saindo do mercado ou perdendo relevância, mas ainda não montamos posição”, diz o analista.
Magalu e Mercado Livre podem ganhar mercado da Americanas
Esse imbróglio também pode beneficiar o Magalu em outro aspecto. Com a recuperação judicial, a Americanas deverá de enxugar suas operações para pagar as dívidas, o que pode abrir um espaço para que as concorrentes aumentem participação no mercado, principalmente no digital.
Damiani, da Western, destaca que a Americanas possui atualmente cerca de 17% do mercado de e-commerce no Brasil e que a quantidade de usuários que o Magazine Luiza e o Mercado Livre (MELI34), outro grande player do setor, possuem em comum (overlap) com a Americanas é de 58%.
Partindo do pressuposto que a operação da varejista tende a encolher, uma parte desses clientes pode passar a utilizar mais vezes um dos concorrentes. De qualquer forma, esse movimento não se refletirá totalmente em aumento do volume de vendas, o chamado GMV.
No terceiro trimestre do ano passado, o volume de vendas, o chamado GMV, do Magalu atingiu R$ 14,2 bilhões, o do Mercado Livre, US$ 8,6 bilhões, algo em torno de R$ 45 bilhões, e o da Americanas foi de R$ 11,7 bilhões.
Para Marufuji, o Magazine Luiza tem capacidade de conseguir ganhar uma parcela de participação de mercado que a concorrente deve perder. No online, parte do ganho deve vir das operações de venda e entrega realizadas para varejistas-terceiros por meio do marketplace , o chamado “1p”, e o varejo de eletrônicos.
“O relacionamento da empresa vem ficando mais forte com fornecedores e com grandes marcas, e, com a situação da Americanas, tem espaço para esse crescimento”, diz.
A analista destaca, porém, que 33%, ou um terço do GMV da Americanas, são provenientes da operação 1p. O restante vem da operação “3p”, ou seja, quando o varejista cadastrado na plataforma da companhia é responsável tanto pela venda quanto pela entrega, cabendo à empresa dona o marketplace a divulgação do produto.
Nesses outros dois terços da operação (3p), o grande ganhador de mercado pode ser o Mercado Livre, que, já atua primordialmente com esse tipo de venda, diz Marufuji. Já o Magazine Luiza opera de forma mais pulverizada entre o 1p e o 3p.
Em resumo, o Magalu deve se beneficiar mais no 1p, e o Mercado Livre, no 3p.
Bruno Damiani partilha da mesma visão, e acrescenta que até mesmo a Amazon (AMZO34) pode tomar um pedaço dessa participação do 3p, ainda que menor, já que esses players como a empresa de Jeff Bezos e o Mercado Livre não são tão ativos no 1p quanto o Magazine Luiza.
Esse potencial avanço de mercado, inclusive, é algo que motivou a alta recente dos papéis do Magalu. Para Fraga, da Guide, “a performance recente dos ativos já reflete um potencial ganho de share em cima da Americanas, que deve acontecer naturalmente”.